A desesperança (por Gaudêncio Torquato)
Os brasileiros querem um Estado protetor e não um Estado usurpador.
atualizado
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Quinto Túlio, no ano 64 a.C, em carta ao irmão, o grande tribuno Cícero, que se candidatava ao Consulado de Roma, dizia: Três são as coisas que levam os homens a se sentir cativados e dispostos a dar o apoio eleitoral: um favor, uma esperança ou a simpatia espontânea.
Nessas cartas, que considero o primeiro manual de marketing político da história, Quinto transmitia ao irmão as boas regras para ganhar um campanha eleitoral, a partir da estratégia de se locomover junto ao povo.
Um seguidor atento a esses manejos foi o ex-governador do Rio Grande do Norte, Aluízio Alves, jornalista, ex-deputado federal, com trajetória iniciada aos 21 anos, cuja campanha de 1960 ao governo do Estado foi um marco para a consolidação dos eixos do marketing político no Brasil.
Fincou sua campanha na aura da esperança. Usou o verde como cor. Correu o Estado como um andarilho. Nas proximidades das cidades, montava em um jumento, aparentando viver o cotidiano de um cigano, lendo mãos de crianças curiosas que queriam saber seu futuro. As crianças, no dia da eleição, acordavam os pais, pedindo a eles para votar no cigano Aluízio. Fez uma campanha lastreada na ideia de “Um amigo em cada rua, com 60 comícios em 16 dias e as Vigílias da Esperança”. Foi o primeiro a usar pesquisas no país.
À medida que os comícios cresciam, em Natal, os adversários começaram a menosprezar o tamanho das multidões, alertando para não levarem em conta aqueles aglomerados, pois a maioria era de “gentinha” analfabeta e de “crianças”, que iam se divertir, mas não votavam. Aluízio passou a usar a expressão “minha querida gentinha”. Que, nos comícios, comparecia com lenços verdes ou galhos de árvores.
Ganhou a campanha para o deputado udenista Djalma Marinho, apoiado pelo então governador Dinarte Mariz.
Pulemos no tempo. Entra em cena Luiz Inácio Lula da Silva, um ex-metalúrgico. Pois bem, na contemporaneidade, Lula, sem sombra de dúvidas, foi quem melhor soube usar a simbologia da esperança, foi quem melhor plantou na seara cognitiva do eleitorado a semente da mudança, da inovação, da melhoria das condições de vida da população. Em outros termos, incutiu nas massas carentes a esperança de puxá-las da base da pirâmide para um canto mais central.
A semente germinou uma grande floresta verde. Que começa a perder viço e a se queimar sob o fogo da desesperança, que se mostra nas paredes rachadas de estabelecimentos hospitalares sem equipamentos, em escolas desaparelhadas, em insegurança expandida pela violência, enfim, na precariedade dos serviços públicos. Coisas comuns aos governos. Agora, são as classes médias que se afastam do ente governamental, por sentirem na pele (e no bolso) os efeitos da carestia e de promessas não cumpridas. Os planos de seguro privado, por exemplo, se tornam inacessíveis. As tensões entre os Poderes se avolumam.
O Executivo faz concessões ao Legislativo e vice-versa, enquanto o Judiciário passar a legislar, entrando em roça alheia. A litigiosidade se expande.
Em suma, o produto nacional bruto da infelicidade, que mede a temperatura das classes, produto de um conjunto complexo de valores econômicos e sociais, tem crescido. A carga redistributiva de renda, provocada pelo Real (que faz 30 anos), diminuiu, em seu início, o imenso fosso que separa os territórios dos ricos dos bolsões dos miseráveis, porém, hoje, os famintos na cadeia da cesta básica fazem imensas filas.
Nos meados da segunda década do terceiro milênio, a cara do brasileiro se parece com a do palhaço triste, capaz de produzir feições engraçadas no palco e, logo a seguir, chorar no camarim. O sentimento é o de que a vida é um eterno recomeço. Quando se espera que as coisas melhorem, os desastres aparecem. O cidadão se vê numa ilha ameaçada por pequenas e grandes catástrofes. Escândalos, corrupção continuada, favorecimentos, anistia a grandes devedores, ausência de critérios racionais, novas fontes de receitas, politicagem, feudos, deterioração dos serviços públicos, constituem, entre outros, os condimentos do caldeirão político.
O fator econômico determina o andar da carruagem. Os serviços sociais acabam sujeitando-se ao programa do ministro da Economia, Fernando Haddad.
A toda hora, há reclamos sobre os serviços públicos. A infelicidade grassa na casa de milhões de aposentados, que veem a compressão de suas retiradas. A reforma administrativa, tão prometida pelos governos petistas, não se realiza. Reforma focada na necessidade de otimizar a equação custo-benefício, tornando as estruturas menores, mais ágeis e funcionais.
Os brasileiros querem um Estado protetor e não um Estado usurpador. Mas o Estado foge da figura do pai, que acolhe seus filhos de braços abertos. Receios e medos caem sobre as vidas, fazendo buracos no fundo da alma. Buracos que emudecem as alegrias. E trazem desalento.
Gaudêncio Torquato é escritor, jornalista, professor titular da USP e consultor político