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A degradação da política (por Hubert Alquéres)

Por trás desse ziguezague há uma questão fundamental: a crise de lideranças no Brasil

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PABLO MARÇAL FAZ LIVE E ABRE NOVO PERFIL APÓS LIMINAR QUE SUSPENDEU REDES SOCIAIS - METRÓPOLES
1 de 1 PABLO MARÇAL FAZ LIVE E ABRE NOVO PERFIL APÓS LIMINAR QUE SUSPENDEU REDES SOCIAIS - METRÓPOLES - Foto: Reprodução

A disputa entre os candidatos a prefeito de São Paulo deixa evidente a falência da estrutura partidária no Brasil. E que o crescimento do populismo e a proliferação de desinformação nas redes sociais são elementos que contribuem para a degradação da política.

Analisemos o debate entre os candidatos a prefeito de São Paulo promovido pela TV Gazeta. De Pablo Marçal não se esperava outra estratégia. Afinal, a “economia da atenção” tem ditado seu comportamento. Baseia-se no tripé: tornar-se conhecido, chamar permanentemente a atenção e vender sua candidatura como um produto, por meio de aparições calculadas e cortes divulgados em massa nas redes sociais. Aplicado em seus negócios, esse caminho o transformou em milionário. Na política, o levou a ser o segundo nas intenções de voto na disputa paulistana.

Se não houve surpresa alguma no estilo de Marçal, quem assistiu ao debate ficou estarrecido com o comportamento dos outros candidatos na tentativa de imitá-lo. Ricardo Nunes, José Luiz Datena, Tabata do Amaral e Guilherme Boulos mergulharam num lodaçal de agressões, com palavreado chulo, dando enorme contribuição para o debate de mais baixo nível da história das eleições de São Paulo desde a redemocratização do país.

Não foi só Pablo Marçal que usou e abusou de adjetivos pejorativos. A baixaria foi ampla, geral e irrestrita. Sobraram xingatórios como “ladrãozinho de creche”, “tchutchuca do PCC”, “bananinha”, “chatabata”, ”bandidinho virtual”, “invasor”, entre tantos outros. Na verdade, os outros prefeituráveis também adotaram a estratégia de usar o debate para produzir cortes para posteriormente divulgá-los em suas redes sociais. Nada de propostas ou programas de governo. Estavam todos ali para combater Marçal com a mesma tática que deu visibilidade a sua candidatura.

Cometeram grave erro ao se deixarem ser atraídos para a vala comum do mundo-cão. De quem se esperava algo mais consistente, como Tabata Amaral, uma parlamentar promissora, ou o atual prefeito com sua experiência da cidade, veio a frustração. A ideia de “combater o inimigo com as mesmas armas”, além de eticamente questionável, encerra um perigo. Para os eleitores, passa a imagem de que eles são indistinguíveis. Se a disputa se der nesse patamar, o eleitor vai preferir o original, em vez do genérico. Disruptivo por disruptivo, Marçal nada de braçada.

Há um problema mais de fundo para o qual os outros candidatos tem adotado uma atitude errática. A ascensão de Pablo Marçal mostrou que desconhecem qualquer estratégia para enfrentar o fenômeno que não se subordina a regra alguma. A transgressão e o antissistema vieram para ficar e encontram eco em parte do eleitorado.

No debate da revista Veja, três deles – Datena, Boulos e Nunes – optaram por não se fazerem presentes, na crença de que isto esvaziaria a candidatura de Marçal. As pesquisas seguintes demonstraram o contrário, com o outsider ficando em segundo lugar nas intenções de voto. Como a estratégia não deu certo, foram ao debate da TV Gazeta sem se diferenciarem nos métodos e na tática adotada pelo adversário.

Por trás desse ziguezague há uma questão fundamental: a crise de lideranças no Brasil. Objeto de estudo de José Álvaro Moisés, professor de Ciência Política na USP, para ele “as profundas mudanças que ocorreram na sociedade explicam de certa forma o quadro político que vai colocando Marçal em condições competitivas”.

Moisés chama a atenção para o despreparo dos atores do chamado campo democrático e progressista, “que não se mostram preparados para os novos desafios, cuja natureza é compreendida por políticos como Marçal”.

Mudanças estruturais aconteceram na sociedade sem que as forças do establishment político extraíssem suas consequências. O novo mundo do trabalho gerou novas demandas para as quais o chamado campo democrático não se atentou. Entre elas, o forte apelo do empreendedorismo, inclusive nas camadas populares. Pesquisa da Fundação Perseu Abramo de 2016 já detectava isso há quase uma década, mas o Partido dos Trabalhadores não extraiu daí as devidas consequências e, entre outras peripécias, foi surpreendido com a vitória de Jair Bolsonaro, em 2018.

Pablo Marçal capta esse sentimento. Ele mesmo é visto como exemplo de quem progrediu pelo próprio esforço. É uma espécie self-made-man digital. Sincroniza-se com outro fenômeno: a transformação religiosa em curso e a respectiva expansão da “teologia da prosperidade”. Não é à toa que sua intenção de votos cresceu fortemente entre o eleitorado evangélico.

Segundo o professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro, João César de Castro Rocha, “sem entender como funciona a economia da atenção, é impossível compreender o fenômeno Pablo Marçal”. Sua conclusão é de que ele “colonizou a política” e, se é para buscar comparações, é um fenômeno mais próximo ao de Javier Milei na Argentina, do que de Bolsonaro.

Nesse sentido Marçal é a maior expressão da nova era do marketing político, o marketing digital das redes sociais. Comparado a ele, Bolsonaro é pré-histórico no manejo de tais ferramentas. O que dizer então de seus adversários eleitorais que estão distantes anos-luz?

Xingá-lo de fascista não resolve o problema. Adotar seus métodos no enfrentamento do seu crescimento eleitoral é uma fuga para a frente. Só contribuirá ainda mais para a degradação da política.

Dos partidos e das candidaturas autoproclamadas democráticas espera-se uma postura capaz de elevar a política e resgatá-la como a forma civilizada de dirimir seus conflitos. O vale-tudo do debate da TV Gazeta só contribuiu para agravar seu aviltamento.

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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação.

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