A criminalização das pesquisas eleitorais no Brasil (Ricardo Guedes)
A criminalização das pesquisas eleitorais significa revogar a própria Estatística
atualizado
Compartilhar notícia
Primeiro foi o voto impresso, depois as urnas eletrônicas, agora os institutos de pesquisa. A tentativa de criminalização das pesquisas eleitorais no Brasil é um ato nitidamente político, na prática da intimidação.
São três as iniciativas com este objetivo. A primeira, a investigação criminal de pesquisa fraudulenta ou falsa, devido às discrepâncias entre o medido pelas pesquisas e aferido nas urnas. A segunda, Projeto de Lei que criminaliza os institutos em caso de variações acima da margem de erro, com responsabilização penal do instituto, do estatístico, e do contratante. A terceira, a instalação de CPI para a averiguação da discrepância de resultados e da intenção de suposta manipulação da opinião pública.
A criminalização das pesquisas eleitorais significa revogar a própria Estatística. A Estatística como ciência, pressupõe a existência de margem de erro dentro do respectivo índice de confiança. Para 95% de confiança, por exemplo, e margem de erro de 3%, para cada 100 amostras coletadas teremos 95 amostras com margem de erro em até 3%, e 5 amostras com resultados acima da margem de erro de 3%. Por exemplo, se tivermos uma sala com bolas brancas e vermelhas na proporção de ½ e sortearmos aleatoriamente 1.000 bolas, em 95 casos a margem de erro estará em até 3%, em 5 casos deverá exceder a 3%. Nada impede de ocorrer, por exemplo, que em um dado experimento obtenhamos 1.000 bolas brancas, ou 1.000 bolas vermelhas, com 100% de erro no experimento. A Estatística é um instrumento de aproximação da realidade. Isto é da natureza da Estatística, que não pode ser revogada ou penalizada por Lei. Senão, teríamos que avisar a Harvard para retirar a Estatística de seu currículo. Tal aprovação exporia o Brasil ao ridículo internacional. Seria caso único de exceção no mundo.
Pesquisas de véspera das eleições não adivinham o futuro. Como expresso por Warren Mitofski, um dos principais formuladores do Censo nos Estados Unidos e introdutor e Diretor de Pesquisa Eleitoral da CBS de 1967 a 1990, somente a pesquisa de boca de urna, feita com os eleitores ao saírem dos locais de votação, pode ser comparada com os resultados eleitorais, considerando-se a respectiva margem de erro e índice de confiança.
Nestas eleições, as pesquisas de véspera indicaram, em média, 50% para Lula, 37% para Bolsonaro, 12% para os candidatos da 3ª via. Os resultados foram Lula 48%, Bolsonaro 43%, candidatos da 3ª via 8%. Os 4% de diferença na 3ª via adicionados aos 3% de maior presença de eleitores nestas eleições em relação à 2018, perfazendo 7% no total, levaram à diminuição da diferença entre Lula e Bolsonaro. O foco na polarização presidencial levou o eleitor a postergar a decisão do voto nas eleições estaduais para a última hora. Se as pesquisas fossem indutoras, os resultados das urnas teriam sido diferentes
Não se regulamenta a ciência por lei. Nem o comportamento.
Ricardo Guedes é Ph.D. pela Universidade de Chicago e CEO da Sensus