A conferência amazônica das mineradoras (por Felipe Sampaio)
As mineradoras que atuam no Brasil demonstraram coragem de mamar em onça ao realizarem um grande evento sobre o futuro da Amazônia
atualizado
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As mineradoras que atuam no Brasil demonstraram coragem de mamar em onça ao realizarem um grande evento sobre o futuro da Amazônia no auge da incerteza climática e política global. A mineração é o primeiro setor empresarial brasileiro a promover e repetir um fórum desse tipo.
A 2ª Conferência Internacional Amazônia e Novas Oportunidades, em Belém, trouxe nomes como o Ex-Secretário de Estado dos EUA Jonh Kerry e a Ex-Presidente da Libéria Ellen Johnson (vencedora do Nobel da Paz), entre outros de 40 instituições.
Segundo Raul Jungmann, presidente do IBRAM, “o encontro não era para fazer business, e sim tratar dos desafios socioeconômicos e ambientais da região”. Isso não é pouca coisa vindo do setor mineral que é o patinho feio oficial do capitalismo justamente nos assuntos cutucados com vara curta na Conferência.
Vale salientar, as discussões escaparam de patinar em “mais do mesmo”, porque os painelistas trouxeram alguns insights novos, principalmente no que toca à questão mais complicada das mudanças climáticas: QUEM PAGA A CONTA?
A resposta é difícil, porque a pergunta se subdivide em outras três: Quem deve pagar? Quem pode pagar? Quem quer pagar? Sobre a primeira, a diretora da Organização do Tratado de Cooperação Amazônica, Vanessa Grazziotini, cobrou que os países ricos cumpram a destinação de US$100 bi/ano para o problema climático (afinal, até no jogo do bicho vale o escrito). A líder indígena Neidinha Suruí completou que, se os bancos financiam grandes negócios que degradam o ambiente, devem financiar também os pequenos empreendedores. A plateia arrematou que os 5% maiores emissores europeus de gases efeito estufa emitem o mesmo que os 60% menores.
Sobre a capacidade de pagamento, o mercado de seguros fala em US$ 400 bilhões de perdas em 2023 decorrentes de desastres climáticos (em 2024 chegará a US$ 1 tri). A conta pode ser até maior, contudo, falta informação. Segundo Ilona Szabó do Instituto Igarapé, só haverá investimento quando se souber quanto vale a natureza, para que o preço da natureza entre na contabilidade das empresas [na receita ou no custo]. A ex-ministra do meio ambiente Izabella Teixeira lembrou que o risco climático não está previsto sequer nos contratos públicos, como o caso das empresas de energia, que não se preparam para os extremos climáticos (vide o apagão nas chuvas de São Paulo).
Quanto ao interesse de pagar a conta, o setor privado só bota (ou tira) dinheiro se for lucrativo, como se ainda desse tempo de transformar o caos climático em algum grande negócio. Na Conferência estavam presentes a ANFAVEA, a FEBRABAN, a FIESP, a ABIHV, bem-intencionadas, mas ingenuamente falando em oportunidades de investimentos, aos 45 minutos do 2º tempo de um aquecimento global desgovernado. O diretor da FIESP falou da transição energética, que ainda pode oferecer “oportunidades para a indústria, que avançará na velocidade do Brasil” (leia-se, do governo).
Maria Netto, do Instituto Clima e Sociedade, amarrou bem algumas pontas soltas. “A floresta de pé tem que valer a pena, tem que se pagar, não adianta simplesmente proibir garimpo e pecuária”. Explicou que “o Brasil ainda não tem dinheiro a um custo adequado à nova realidade climática”. Ou seja, “o spread bancário é alto para atender às necessidades e riscos de longo prazo”. Completou que não temos uma estratégia de ‘mix’ de financiamentos adequada e que os recursos públicos são limitados.
Quem diria, seria ótimo se as mineradoras escolhessem os temas da COP30 e do G20.
Felipe Sampaio: cofundador do Centro Soberania e Clima; chefiou a assessoria do ministro da Defesa; dirigiu o sistema de estatísticas no ministério da Justiça; foi secretário executivo de segurança urbana do Recife; membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública; ocupa a chefia de gabinete da secretaria-executiva no Ministério do Empreendedorismo.