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A condenação de militares no Rio

Condenação de militares pelo fuzilamento de músico e catador no Rio faz justiça às vítimas

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Caso Evaldo Rosa, músico morto por militares no Rio (4) (1) (1)
1 de 1 Caso Evaldo Rosa, músico morto por militares no Rio (4) (1) (1) - Foto: null

Editorial de O Estado de S. Paulo (19/10/2021)

No dia 7 de abril de 2019, uma desastrosa operação de patrulhamento do Exército em Guadalupe, zona norte da capital fluminense, causou a morte do músico Evaldo Rosa dos Santos e do catador de latinhas Luciano Macedo. Pensando se tratar de um veículo de “bonde”, ou seja, parte de um comboio de traficantes de drogas, os militares, sem averiguar o alvo, dispararam mais de 250 tiros de fuzil contra o carro em que Evaldo, sua mulher, o filho de sete anos, o sogro e uma amiga se dirigiam a um chá de bebê naquela tarde de domingo. O músico morreu na hora. Luciano, que tentou acudir a família em desespero sob uma saraivada de balas, também foi atingido e morreu poucos dias depois.

No dia 14 passado, com o rigor que um caso escabroso como esse impunha, a Justiça Militar condenou o tenente Ítalo da Silva Nunes, comandante da malfadada operação, a 31 anos e 6 meses de prisão pelos dois homicídios consumados, além de uma tentativa de homicídio. Outros sete militares do Exército que participaram do fuzilamento – não há outra forma de descrever o que houve naquele fatídico dia – foram sentenciados a 28 anos de prisão. Além da condenação à prisão, os oito militares foram expulsos das Forças Armadas, mas poderão recorrer em liberdade.

O colegiado que julgou e sentenciou o tenente Ítalo Nunes e seus comandados era formado por uma juíza civil e quatro oficiais da ativa. O apertado placar pela condenação (3 a 2) revela que mesmo um caso claro e paradigmático de mau emprego de militares em ações para as quais não foram treinados suscita dúvidas que, ao fim e ao cabo, podem levar à impunidade. Bastaria que um dos três juízes que condenaram os réus tivesse uma opinião diferente sobre os acontecimentos e os oito militares teriam sido absolvidos, a despeito dos gravíssimos crimes que cometeram.

A área em que ocorreram os homicídios está no perímetro da Vila Militar. O patrulhamento, por si só, não era ilegal. Contudo, a violência desmedida em que se deu, sobretudo porque os militares não foram atacados em nenhum momento, revela o total despreparo da guarnição liderada pelo tenente Ítalo Nunes.

O caso chama a atenção para o emprego das Forças Armadas em ações de segurança pública, que tem ocorrido com mais frequência do que recomenda a prudência. Essas ações têm evidenciado a existência de uma espécie de limbo hermenêutico que turva a boa compreensão dos limites jurídicos de atuação dos militares em operações dessa natureza e, principalmente, sua responsabilização por eventuais crimes cometidos contra a população civil no âmbito de ações que, por imperativo constitucional, vale lembrar, são de responsabilidade dos Estados.

O fuzilamento em Guadalupe lança luz sobre o enorme risco de designar militares para missões para as quais não foram devidamente preparados. A intervenção federal na segurança pública do Rio é o maior exemplo deste mau emprego das Forças Armadas. Não havia justificativa objetiva para a medida extrema em fevereiro de 2018, como se o caos imposto pelo crime organizado no Estado não estivesse instalado havia décadas. O que faltava então – e falta ainda hoje – é uma política de segurança pública bem planejada e executada pelo governo estadual. Não seria a ação pontual das Forças Armadas que resolveria um problema complexo e enraizado no Estado, sobretudo porque militares, repita-se, não são treinados para agir como policiais.

Além da insegurança jurídica trazida pelo mau emprego das Forças Armadas em áreas urbanas – na prática, os militares, que não têm poder de polícia, agem como forças auxiliares das polícias estaduais –, há a insegurança física para a população, como a ação em Guadalupe tristemente demonstrou.

A dura condenação dos militares, que deve ser mantida pelas instâncias superiores, serve tanto de exemplo para coibir ações desastradas no futuro como também para alertar os Poderes Executivo e Legislativo sobre o perigo de lançar mão de forças concebidas para a guerra em terreno e situação para as quais não são vocacionadas.

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