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A bandeira da legalidade (Por Hubert Alquéres)

Os golpistas do último fim de semana conseguiram unir a sociedade, os poderes constituídos e o mundo político

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A última vez que a extrema direita tentou assaltar o poder foi em 1938, com o fracassado golpe dos integralistas para destituir Getúlio Vargas.

A intentona bolsonarista impetrada no último domingo submeteu a democracia brasileira a mais uma grande tensão. Ao final, fracassou e viu frustrado seu plano de arrastar as Forças Armadas para uma aventura.

Há pontos a serem esclarecidos sobre o comportamento da cadeia de comando, entre eles a leniência diante a pregação diuturna dos golpistas em frente aos quarteis. Mas, como instituição, as três forças ficaram ao lado da democracia, como reconheceu o ministro da Justiça, Flávio Dino, em sua entrevista coletiva.

Há várias razões para a derrota dos golpistas. Entre elas o fato de terem subestimado a bandeira da legalidade, com peso ao longo de nossa história. Mesmo o golpe de 1964 foi dado sob o pretexto de restabelecer a legalidade constitucional. A partir da noite do último domingo assistimos a algo semelhante à Campanha da Legalidade, constituída em 1961, quando da renúncia de Jânio Quadros, que foi fundamental para a posse do então vice-presidente João Goulart.

Os golpistas do último fim de semana conseguiram unir a sociedade, os poderes constituídos e o mundo político, inclusive os governadores de oposição, na defesa da ordem democrática. Formou-se no país uma vastíssima rede da legalidade, respaldando a resposta das instituições da República.

Há outro paralelo histórico a ser refletido. Jango entendeu o apoio à sua posse como aval ao seu programa e ao seu projeto de poder, radicalizando após a vitória do presidencialismo no plebiscito de 1963. Lula incidirá no mesmo erro, se entender a união nacional formada em defesa do Estado Democrático de Direito como adesão ao seu governo e às teses do Partido dos Trabalhadores.

A maioria dos 49,1% dos eleitores que votaram no seu opositor não aderiu ao governo Lula e nem mudou seus valores.  Boa parte não aderiu à tentativa de golpe. O conservadorismo continua tendo forte expressão na sociedade e presença significativa no parlamento e nos governos subnacionais.

Não pode, nem deve, ser confundido com a minoria golpista. Muitos desses eleitores estão agora sem chão e faz-se necessário abrir um diálogo com eles. Isso passa por entender como legitima a existência desse segmentos e respeitar seus valores. Só assim poderemos superar a divisão do país em praticamente ao meio e instalar um ambiente de convivência democrática entre pensamentos políticos diversos.

Nesse sentido, Lula não contribui quando, em vez de assumir uma postura de presidente da República, se coloca como líder de uma facção política, ao apregoar uma pretensa superioridade moral da esquerda em relação à direita. Da mesma forma, estigmatiza parte dos eleitores que votou nele, no primeiro ou no segundo turno, ao traçar paralelo entre a intentona da extrema-direita do domingo e o episódio do impeachment de Dilma Roussef.

Com a derrota do golpismo, inicia-se uma nova conjuntura no país. O conservadorismo que havia sido capturado pelo projeto de Bolsonaro pode se liberar de suas garras. Abre-se, assim, a possibilidade de emergir no cenário político nacional lideranças comprometidas com um conservadorismo moderado e de valores democráticos, a exemplo do que acontece em vários países de democracia consolidada.

Como observou o cientista político Fernando Abrucio, há um longo caminho para garantir a solidez da democracia brasileira. A derrota do terrorismo – uma pecha que a extrema direita brasileira carregará durante décadas – não significa que a democracia venceu a batalha pelos corações e mentes dos brasileiros.

As casamatas do extremismo são mais profundas do que os atos de vandalismo em Brasília. Pesquisa do Instituto Atlas divulgada nesta terça apontou que 18,4% dos entrevistados concordaram com a ocupação do Supremo Tribunal Federal, do Palácio do Planalto e do Congresso Nacional e 27,5% acharam que essas ações são justificadas em parte. Para 42,7% Bolsonaro não é responsável pelos atos terroristas de domingo e 36,8% se manifestaram favoráveis a uma intervenção militar para  invalidar as eleições.

E tudo isso após os acontecimentos e larga cobertura da mídia desfavorável aos golpistas!

Não se trata, portanto, de um grupúsculo de idiotas ou lunáticos, mas de uma parte não desprezível de brasileiros aderentes a valores antidemocráticos, pautados por um nacionalismo exacerbado e um fanatismo religioso. Reconvertê-los a valores republicanos e civilizatórios não será uma tarefa fácil.

A batalha de longo prazo passa, necessariamente, pelo papel que a educação está intimida a desempenhar, no sentido da formação de nossos jovens para o diálogo democrático. Ela é a chave para enraizar na sociedade valores como tolerância e respeito ao contraditório, ao pluralismo de ideias e à diversidade.

A construção de uma cultura democrática profundamente enraizada na sociedade é o grande antídoto para que episódios como o assalto aos três poderes da República jamais voltem a acontecer em nosso país.

 

Hubert Alquéres é membro da Academia Paulista de Educação.

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