Agência espacial gasta R$ 400 mil para bancar 10 servidores em Dubai
AEB levou o grupo para passar duas semanas nos Emirados Árabes Unidos. CGU pediu explicações sobre a viagem e custo com diárias e passagens
atualizado
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A cúpula da Agência Espacial Brasileira (AEB) está passando a maior parte de outubro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos, em uma viagem que, apenas em passagens, diárias e taxas de inscrição em eventos, vai custar aos cofres públicos mais de R$ 400 mil.
A AEB é um órgão vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, que tem sido uma das faces mais visíveis da crise orçamentária do governo. Esta semana, o ministro astronauta Marcos Pontes chegou a ser chamado de “burro” pelo colega Paulo Guedes, da Economia, em reunião com parlamentares, por supostamente não gerir bem os limitados recursos da pasta, deixando a verba da ciência ir parar “em foguetes”, que é, em linhas gerais, a área de atuação dessa pequena agência, responsável por formular, coordenar e executar a política espacial brasileira.
O principal objetivo da viagem de 10 membros da AEB para Dubai é a participação no principal evento mundial do setor espacial, o 72º Congresso Astronáutico Internacional (IAC), que ocorre entre 25 e 29 de outubro. Sete deles, porém, estão nos Emirados Árabes Unidos desde o dia 14 (os demais chegaram dois dias depois, em 16 de outubro) e todos ficam até 31 de outubro, recebendo diárias de US$ 320 a US$ 350 para bancar hospedagem e alimentação (R$ 1.772 a R$ 1.939, na cotação de 28 de outubro).
Antes, a comitiva participou da Semana do Espaço na feira Expo Dubai, que começou dia 17 de outubro, três dias após a chegada dos brasileiros, e foi até 23 de outubro. Segundo a programação oficial e o relato de participantes, a AEB não teve participação relevante nesse evento, que teve a parte brasileira liderada pela Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex) e pelo Ministério da Ciência e Tecnologia.
Por fim, a AEB participou, também em Dubai, da conferência Space For Women, voltada à atuação feminina no trabalho espacial, e que durou dois dias: 21 e 22 de outubro.
O tamanho da comitiva da AEB e o tempo de permanência de todos causaram desconforto entre os servidores da agência, e o fato já chamou a atenção de órgãos de controle. Em 2019, último ano em que houve a versão presencial do IAC, em Washington D.C., nos Estados Unidos, a comitiva da agência tinha cinco integrantes, metade dos que foram em 2021. E a crítica, este ano, é voltada à presença de servidores comissionados que são próximos ao presidente da AEB, coronel da reserva Carlos Augusto Teixeira de Moura, mas que normalmente fazem serviços internos, não vinculados às funções finalísticas da agência, e agora estão viajando.
Nesse grupo de comissionados sem atuação nos serviços-fim da AEB, estão diretores, como Aluisio Viveiros Camargo, de Planejamento, Orçamento e Administração, e uma assessora dele; e Cristiano Trein, diretor de Governança do Setor Espacial, que teria viajado sem se vacinar contra a Covid-19, o que o obriga a fazer testes PCR a cada 72 horas em Dubai. Outros integrantes da comitiva com a participação questionada por colegas são a chefe de gabinete da presidência, Letícia Morosino, e o chefe da Assessoria de Relações Institucionais e Comunicação, André Luis Barreto Paes.
Fontes que falaram com o Blog do Noblat afirmaram que o mais comum nesse tipo de evento é que viajem gestores e servidores das diretorias de Cooperação Internacional e de Inteligência Estratégica, além do presidente da instituição.
A Controladoria-Geral da União (CGU) abriu procedimento para acompanhar os custos da missão da AEB a Dubai e já determinou que servidores que não trabalham nas chamadas funções finalísticas apresentem, num prazo de cinco dias após o retorno ao Brasil, explicações para suas participações nas atividades previstas em todos os dias em que estiveram no país estrangeiro, “incluindo a justificativa técnica do tema de cada evento que participou e a relação com as atribuições do cargo que ocupa”.
A viagem da comitiva da AEB para Dubai deve custar aos cofres públicos (de acordo com os valores de diárias definidos por decreto, Painel de Viagens do governo federal e dados internos aos quais a reportagem teve acesso) R$ 294 mil em diárias, R$ 74 mil em passagens aéreas, e R$ 34 mil em taxas de inscrição no IAC, totalizando aproximadamente R$ 402 mil na cotação atual. Há custos não computados nessa conta, como os deslocamentos da comitiva em Dubai, por exemplo.
Outro lado
A Agência Espacial Brasileira defendeu os gastos públicos na viagem a Dubai com o argumento de que o Brasil precisa investir para ampliar sua influência em um setor pelo qual circulam bilhões de dólares, principalmente no momento em que o país inicia a exploração comercial do Centro Espacial de Alcântara, no Maranhão, que tem uma base de lançamento de foguetes.
Por meio de sua assessoria de comunicação, a AEB alegou que todos os integrantes da comitiva estão desempenhando papéis importantes, para os quais foram treinados, e que todos farão relatórios detalhados sobre suas atividades no retorno ao país. A assessoria de comunicação informou ainda que a comitiva brasileira defende a candidatura de São Paulo para sede do IAC de 2024. Atualização: O Brasil não foi escolhido. Milão, na Itália, será sede do IAC de 2024.
Sobre a viagem, a agência argumentou que os três eventos “contaram com um time composto por técnicos e gestores do órgão, que se dividiram em diferentes tarefas”.
Sobre o Space4Women, justificou que, “por meio de portaria, foram nomeados coordenadores e gerentes, entre servidores da AEB, como responsáveis diretos pela organização de todo o encontro Space4Women, desde a infraestrutura necessária, passando pela logística, até os encaminhamentos finais dos resultados provenientes das discussões sobre políticas públicas voltadas para estimular a inserção feminina no setor espacial”. A coordenação da ida a esse encontro coube ao diretor Aluísio Camargo – não há mulheres na diretoria do órgão.
“Observa-se ainda que, durante o IAC 2021, a delegação da AEB também participou de uma série de atividades científicas relevantes para o Brasil, além de prospectar sinergias com empresas, universidades, fundações e outras instituições científicas do mundo inteiro”, conclui a nota.
Mais gastos públicos em Dubai
Os gastos da AEB na estadia de duas semanas em Dubai não estão incluídos numa conta que o jornal O Globo fez sobre os custos da participação brasileira na feira Expo Dubai. O jornal havia levantado dados de despesas com passagens e diárias de outras 69 pessoas que viajaram aos Emirados Árabes Unidos e vão custar cerca de R$ 3,6 milhões.
A viagem teve momentos de ostentação, como quando o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que diz não estar usando recursos públicos, posou para foto com a família em cenário luxuoso usando roupas árabes tradicionais. E quando o secretário de Pesca, Jorge Seif, definiu a ida a Dubai como um “trabalho-passeio”.