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A liberdade afetiva das escravizadas

Sob as opressões do século XIX, mulheres negras desafiaram o machismo

atualizado

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Marc Ferrez
mulheres escravizdas
1 de 1 mulheres escravizdas - Foto: Marc Ferrez

A preta Umbelina não saía de casa fazia quase um ano. João, escravizado pelo padre Oliveira, alimentava pelas ruas da cidade gaúcha de Cachoeiro do Sul o boato de assassiná-la. Vingaria sua honra ferida, mesmo que sua vida findasse na forca. No dia 19 de dezembro de 1851, Umbelina foi buscar um barril de água na fonte. Embalava medo. Em frente à marcenaria deu-se o encontro. João a agrediu. Umbelina caiu atordoada. O homem fugiu.

O motivo da violência: Umbelina rejeitou João e terminou a relação. Tinha um novo amor. O escravizado amargurado tentou reconquistá-la com presentes e dinheiro. Nova recusa e uma acusação, a mulher deduziu que os regalos eram roubados. João contou para todos que Umbelina aceitou o dinheiro e juntou-se com outro. O conflito foi parar na Justiça.

Como se desenrolavam as relações amorosas entre escravizados? Nossa primeira resposta vem do artigo “Mulheres escravizadas e relacionamentos afetivos: pensando projetos amorosos e as masculinidades negras a partir da interseccionalidade”, de Marina Camilo Haack, doutora em História Social na USP, publicada na Revista Em tempo De Histórias, da Unb (Universidade de Brasília).

O tema gênero e escravidão vem ganhando cada vez mais espaço na pós-graduação. A intenção é desfazer estereótipos, preconceitos e dar nitidez às imagens das mulheres no período, enxergando resistências e acordos, sem jamais esquecer o contexto de violência e exploração de seus corpos.

Além dos serviços domésticos, algumas escravizadas tinham o direito à rua, fazendo compras ou trabalhando em quitandas, lavando as roupas nos rios. Essa certa mobilidade oferecia os perigos dos abusos sexuais e roubos, mas permitia a presença em diferentes espaços, “possibilitou firmar parcerias, laços de amizade e solidariedades que ultrapassavam os limites da propriedade, ter parceiros afetivos, sexuais e desenvolver relações mais “simétricas”. Assim, algumas mulheres conseguiam escolher seus parceiros. Assim, construiu-se o estereótipo supersexualizado da mulher negra, já que essa liberdade era inaceitável para a “honra” do branco europeu e seus casamentos arranjados entre famílias.

O trabalho de Haack utiliza processos criminais como fonte de pesquisa. Entre mortes e agressões em uma sociedade patriarcal, tenta encontrar pistas das teias afetivas dessas mulheres. Os crimes passionais entre escravizados estavam relacionados às rupturas de relacionamentos ou na defesa da vida da parceira(o).

Indignada com as ameaças a Umbelina, no dia 22 de dezembro de 1851 a escravizadora Inocência Maria Pacheco entregou uma petição ao delegado municipal de Cachoeiro do Sul. Por empatia ou sororidade? Pelo prejuízo. Por causa de João, não podia utilizar os serviços da preta adequadamente. A sentença foi de 100 açoites. Com a atuação de um advogado e do padre, a pena diminuiu para 20 açoites e um ferro atado ao pescoço por um mês.

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