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Turma da Mônica – Laços: sucesso reforça legado de Mauricio de Sousa

Destinado às crianças, longa de Daniel Rezende pode causar tanto fascínio quanto rejeição em leitores mais velhos dos gibis

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1 de 1 turma-da-monica-filme-31 - Foto: Divulgação

Com algum atraso, finalmente fui assistir a Turma da Mônica – Laços, empreitada ambiciosa de Mauricio de Sousa para dar continuidade ao bem-sucedido aspecto transmídia de suas criações. Viria aí, talvez, um Mauricioverso, desdobrando-se em filmes, HQs, animações e outros produtos? Veremos. Já existe uma animação (que parece bacana) do Astronauta engatilhada e, mesmo com o desmoronamento que o cinema brasileiro verá nestes anos complicados, talvez Maurição seja um dos únicos com bala na agulha para adaptar um produto tupiniquim aos moldes de convergência a que os produtos midiáticos obedecem hoje em dia.

Confesso que, ao ver aqueles personagens ganharem vivacidade e movimentos reais, fui acometido por uns espasmos, umas reações estranhas. Dirigido por Daniel Rezende (montador de Cidade de Deus e Tropa de Elite), Laços tem uma boa produção (ainda que sobreviva um tom meio Castelo Rá-Tim-Bum) e, em geral, exibe uma satisfatória qualidade visual/fotográfica (do roteiro falarei mais adiante). O que pega mesmo, no entanto, é um estranhamento estilo uncanny valley, como naquele episódio de South Park em que os meninos endiabrados são interpretados por atores reais. Há um fascínio, e ao mesmo tempo uma rejeição.

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A Turma da Mônica versão com atores
Visual remete constantemente aos quadrinhos
Rodrigo Santoro no papel do Louco: aparição curta, mas marcante
Pôster de Turma da Mônica – Laços
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Floquinho, o cachorro de Cebolinha: desaparecido

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A Turma da Mônica versão com atores

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Visual remete constantemente aos quadrinhos

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Rodrigo Santoro no papel do Louco: aparição curta, mas marcante

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Pôster de Turma da Mônica – Laços

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Explico: como ocorreu com brasileiros em tantas gerações, cresci lendo (e aprendendo a ler) com a Turma da Mônica. Muita gente no povo dos quadrinhos reclama da precariedade de linguagem
e sofisticação visual dos quadrinhos de Mauricio, especialmente se comparado a outros produtos infantis, tipo Disney. Não concordo. Visualmente é simples – por vezes simplório –, mas estamos lidando com um nível elementar da linguagem, que abraça uma abordagem universal, como haikais ou pinturas de Miró. Narrativamente, Mauricio (ou melhor: seus roteiristas) já demonstrou ser mestre da metalinguagem, e abusa de recursos que ferem a mera representação diegética. Nesse sentido, os quadrinhos da Turma da Mônica são exemplos cristalinos do que essa mídia pode fazer – e outras não.

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Mauricio roots, nos anos 1960

Porém, para mim, a maior qualidade de Mauricio está logo na raiz de seus quadrinhos: a capacidade de criar arquétipos. Lembro-me de adorar ler os gibis do Cebolinha, aquele sujeito meio ardiloso, que se acha inteligente (apesar de não ser), um obtuso irredutível. Está sempre em voltas com o fazer (no Tarô: o mago). Já o Cascão traz uma certa malemolência das ruas, criando estratégias para evitar a chuva (que sempre vem). É um sobrevivente (no Tarô: o diabo). Já a Mônica é um colosso de potência, com a tarefa de lidar com o autocontrole. No Tarô: a força. Aliás, ninguém nunca teve a ideia de fazer um Tarô da Mônica?

Mauricio, porém, tem seus calcanhares de Aquiles, como todos sabem. Durante décadas, seguindo o modelo excludente de Disney ou Peyo, não assinou o nome de seus colaboradores (ou seja: quem efetivamente realizava a parada) em seus gibis. De certa maneira, seus quadrinhos, que eram, nos anos 1960, originalmente histéricos, estapafúrdios e, diria, quase agressivos, se tornaram domesticados e padronizados, obedecendo a funções politicamente corretas. Viraram extrato de tomate, nuggets, fraldas.

Lá no final dos anos 1950, Mauricio nasceu autor. Porém, não muito tempo depois, tornou-se magnata. Recentemente, com a abordagem “jovem” (em “estilo mangá”), e com a abertura para autores indies repensarem suas criações nas Graphic MSP, abriu-se a fresta de uma porta que espera há décadas para ser escancarada: o fato de Mauricio, com o poder que tem, investir em quadrinhos brasileiros de outros gêneros, com outros autores. É daí que nasceu Laços.

O Bairro do Limoeiro como arquétipo

Diante de todos esses choques e atrações provocados pela influência de Mauricio no quadrinho nacional, Turma da Mônica – Laços chega a causar sim certo revoluteio num leitor velho. A impressão inicial, no entanto (causada especialmente pela primeira sequência – que replica uma espécie de gibi “ordinário” da Mônica), logo se dissipa com a tediosa trama, baseada muito literalmente na Graphic MSP de mesmo nome, dos irmãos Vitor e Luciana Caffagi. Talentosos, eles vêm há alguns anos investindo numa seara delicada e afetiva de quadrinhos brasileiros. Gosto muito da tira Valente, de Vitor, sobre as desventuras amorosas de um último ser romântico na Terra. Há algo de Charlie Brown, e isso não é fácil de extrair.

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Quando li Laços, no entanto, não achei que o talento deles estava sendo completamente aproveitado. Uma sinopse elementar demais me soou pouco criativa: um bandido genérico sequestra o Floquinho para transformá-lo em sabão, e a “turminha” precisa se unir, numa aventura, para resgatá-lo, aprendendo valores de amizade e cooperação. No quadrinho, a leitura passa voando (chegamos a questionar se podemos realmente chamar isso de graphic novel), mas sobrevive a bela arte dos Cafaggi, que reinventa em fino traço a famosa aparência dos personagens, originalmente mais chegada em Disney e mangá.

Não há muito o que dizer sobre o filme. É feito para crianças e parece agradá-las, mesmo com uma quantidade boa de ações que levam a becos-sem-saída (ou seja: não possuem função ou continuidade narrativa), mais um outro tanto de encheção de linguiça (uma canção, certas dilatações temporais com finalidade afetiva, etc.) para que o filme sofregamente complete 1h30, além de uma certa dificuldade na direção de atores. Para a cognição infantil, porém, há drama, valores que são transformados e lirismo. Tá de bom tamanho.

Apenas um adendo: como Mauricio tem a mania de se fazer demiurgo (autorrepresentando-se em quadrinhos – e com uma cameo estilo Stan Lee no filme), vale comentar a insistência, dentre suas criações, no Bairro do Limoeiro, que (ainda) funciona como uma vizinhança pacata de uma cidade do interior paulista dos anos 1950, onde as portas ficam abertas e as casas não têm cerca.
Considerando que estas vizinhanças hoje estão consumidas por agressivas fábricas, sertanejo universitário e crack, me admira que esse imaginário frugal ainda convença alguma criança de hoje em dia, viciada em videogame. No entanto, dado o sucesso do filme, meu engano se justifica na própria capacidade demiúrgica de Mauricio: seu bairro é um arquétipo, incrustado no inconsciente dos brasileiros.

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Maurição demiurgo

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