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Três visões sobre a mitologia dos filmes “Alien”

Dos quadrinhos de Superman ao trabalho do artista Hans Ruedi Giger, veja três interpretações sobre a franquia “Alien”

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1: Covenant

Ridley Scott, o diretor que fundou a série “Alien”, já havia retornado ao universo que o catapultou à fama com o muito controverso “Prometheus”. Este ambicioso filme, por mais que tenha sido criticado por problemas de continuidade, incoerência no roteiro ou simples imbecilidade de seus personagens, propunha algo diferente.

Ao invés de simplesmente abordar a ferocidade dos monstros (hoje todo mundo os chama de “xenomorfos”) e inspirar metáforas sobre medo e morte, “Prometheus” teve ganas de falar sobre bioengenharia, complexo de Frankenstein, as origens da criação, questões metafísicas. Os aliens mesmo mal aparecem.

O ambicioso “Prometheus”

 

“Alien: Covenant” é a sequência direta de “Prometheus” e aborda as mesmas questões, mas ao mesmo tempo tenta cozinhar uma espécie de “mexidão” de toda a série, com uma nave que mistura maloqueiros espaciais com cientistas, um ar “slasher” com cenas de matança e certo mau gosto, além de robôs malignos/ambíguos.

Longe de ser um desastre, “Covenant” costura um filme também não tão uniforme, considerando que, além do terror, existe uma parte didática que procura preencher as ausências de “Prometheus” (que é intencionalmente vago e incompleto).

A origem direta dos monstros é finalmente esquadrinhada com soluções narrativas claras (isto é: na boca dos personagens), e o que parecia uma versão grandiosa e atualizada de uma mitologia de criação e criatura em “Prometheus” ganha resoluções controversas em “Covenant”.


A questão é: “Covenant”, nem tanto ao discurso empostado e enigmático de “Prometheus”, e nem tanto à crueza direta-ao-ponto do terror espacial do “Alien” original, acaba se revelando um filme que não mete medo em ninguém (pois o terror do filme é mera réplica sem alma de uma fórmula) e ao mesmo tempo não inspira ninguém em sua filosofia (pois revela demais, e revela de maneira decepcionante).

Se Scott queria retornar ao ambiente do “Alien” original por meio do aspecto “slasher”, ele errou o caminho, pois a contrapartida que revela tudo (o alien é inclusive mero coadjuvante no filme) vai contra todo o princípio que regia a genialidade do primeiro filme: a ocultação, o mistério e o medo inspirado pura e somente pelo aspecto claustrofóbico da direção de arte, pela montagem cheia de elipses e, especialmente, pelo design horripilante e realmente “alienígena” desenvolvido pelo grande artista suíço H.R. Giger. E é a ele que vou retornar.

2: Giger
Arrisco a dizer que tudo que assusta no que envolve a série “Alien” se deve a Hans Ruedi Giger, o homem que desenhou o monstro original. Giger não participou do roteiro do filme, ou sequer fez alguma interferência no conteúdo escrito. Ele apenas criou um “conceito” para a série, que inclui, além do monstro, a nave extraterrestre, o traje especial do piloto alienígena e o aspecto biomecânico do filme como um todo.

HRG (como é conhecido) nasceu na pequena cidade de Chur, na Suíça, e estudou arquitetura e desenho industrial na escola de artes aplicadas de Zurique durante os anos 60. Tendo sido uma criança introspectiva, fã de instrumentos de tortura e de “túneis de horror” de parques de diversões, além de obcecado pela figura feminina, Giger abalou o mundo das artes nos anos 70 por abordar, geralmente em tinta acrílica, um surrealismo implacavelmente original, oriundo dos mais delirantes pesadelos, misturando criaturas biomecânicas hediondas (mas ao mesmo tempo com irresistível “design”) com chocantes formas de grotesco erotismo.


Inexplicável como poucos artistas, HRG mistura artefatos de guerra com lâminas, engrenagens, órgãos genitais e figuras vagamente humanas que parecem saídas da imaginação de Salvador Dalí (que não por acaso o conheceu), só que sob a “bad vibe” eterna de algo como um chá de Beladona.

Falecido em 2014 após uma queda (uma morte estúpida para um homem visionário), Giger extraía poesia e reflexão metafísica do horror puro sem precisar contar uma linha sequer de história para estes personagens abomináveis presos em paredes, fundidos uns aos outros, residindo em abismos nunca habitados por mais ninguém.

O horror original de “Alien” (inclusive, HRG ganhou um Oscar em efeitos visuais por este trabalho) está no impressionante efeito destas engrenagens biomecânicas, no estupor de suas paisagens fálicas (que inspiraram ótima análise do filósofo Slavoj Zizek), no aspecto irrecuperável de quando vemos algo de que nunca esqueceremos.


Depois de sua estreia arrepiante e do trabalho com “Alien”, HRG ficou pop. Passou a trabalhar com capas de disco, modelos exóticos de guitarras, bares temáticos e outros trabalhos em design. De certa maneira, sua visão espectral de um mundo naturalmente assombrado, com reflexões imediatas sobre vida, morte, tecnologia e artificialidade, se tornou “commodity”. Exatamente como os filmes do Alien, uma franquia irregular que chegou aos quadrinhos em 1988 via Dark Horse Comics. Em 1995, os xenomorfos encontraram Superman pela primeira vez, e é aqui que encerro este ciclo.

3: Superman
Esse curioso “crossover” entre a DC e a Dark Horse me chamou a atenção lá para os idos de 1997. Trata-se de uma minissérie em três edições, coisa barata, de banca, que traça um improvável e curioso confronto entre o primeiro super-herói e a criação de Giger.

Longe da ambição mítica de “Prometheus” ou “Covenant”, e também bastante diferente do horror fundacional que inspirava as telas de Giger, este gibi tem o mérito de fazer uma ponte entre o aspecto espacial da trajetória dos xenomorfos e o aspecto “space opera” da origem do Superman.

Dan Jurgens (o famigerado autor de “A Morte do Superman”), discretíssimo aqui, escreve uma história sóbria sob paleta de cores escuras, arte-finalizada com precisa eficiência por Kevin Nowlan. Seu Superman, cabeludo e queixudo, ganha inédita sisudez ao vestir trajes espaciais e pilotar naves.

Mas o que há de interessante aqui além de um tratamento dedicado no lápis de Jurgens? Explico: recebendo uma mensagem de um satélite que chega à Terra e que parece ser de Krypton, o Super pilota uma nave espacial até a origem desse sinal.

O que ele encontra é uma cidade perdida, destacada de seu planeta natal, com uma população procurando sobreviver a uma infestação infernal de aliens. Longe de qualquer sol, os poderes do Superman estão fraquíssimos, e ele se torna um tipo de guerrilheiro urbano (estilo “Aliens” de James Cameron) ao lado de Kara, uma garota de 16 anos, casca-grossa (a Ripley da vez) e com a qual ele assume um “parentesco” kryptoniano.

Além disso, Superman envia a nave de volta à estação espacial da Lexcorp na Terra carregada de pessoas prenhes de aliens assassinos. O dilema dos cientistas passa a ser: exterminar os aliens ou estudá-los?

Este é um dos méritos deste gibi despretensioso que consegue unir um drama familiar kryptoniano (despertando emoções no Super) a questões éticas envolvendo o perigo dos limites da ciência (infelizmente os que querem – corretamente – estudar os aliens são vistos como vilões), a uma sólida história de ação e perseguição em terras alienígenas.

O tom obscuro da arte de Jurgens/Nowlan lembra a atmosfera dos primeiros filmes, e a agressividade dos aliens faz o tipicamente bondoso Superman irromper em ódio irracional (diante de tanta bestialidade), quebrando seu código de não matar.

De certa maneira, o aspecto “pulp” deste quadrinho recupera melhor a vibe “cowboys no espaço” (Superman incluso) do primeiro Alien do que a pretensão totalizante e filosófica de “Covenant”, que apenas remotamente remete a esta atmosfera. Tudo isso, no final das contas, para demonstrar como o imaginário puro e literal de Giger se desdobra, até hoje, em metáforas culturalmente muito diversas.

Mais do que um exemplar pioneiro no terror alienígena, o imaginário dos xenomorfos hoje pertence à criação livre do mundo pop, prova mais que decente da adaptabilidade da imaginação de Giger, tão radical e hostil em sua origem.

 

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