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“Punho de Ferro” resgata a alma dos quadrinhos e nem é tão ruim assim

O seriado da Marvel teve recepção negativa da crítica, mas possuí elementos interessantes em sua composição

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1 de 1 Metropoles_Iron_Fist_banner - Foto: REPRODUÇÃO/MARVEL/NETFLIX

“Iron Fist” (“Punho de Ferro”), nova série da Marvel junto à Netflix, virou o assunto da semana no mundo da cultura pop. O motivo: a sua ultrajante ruindade. Argumenta-se que a série não tem pulso narrativo firme, a ausência de conflito do protagonista, os inúmeros furos, o enredo repetitivo, que Danny Rand é um homem branco etc.

Tudo isso a princípio pode ser verdade. Em “Iron Fist”, Danny Rand é um americano herdeiro de uma grande corporação que perde os pais durante viagem ao oriente e é criado por monges guerreiros (na mítica K’un-Lun) para se tornar a mais letal arma viva. Depois disso, retorna aos States e busca recuperar o comando de sua empresa. Lembra um pouco aquela série de filmes dos anos 1980 “American Ninja”, com Michael Dudikoff. A sensação é mais ou menos a mesma.

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Realmente, a série é meio paspalhona ao usar recursos narrativos facilitadores, clichês e furos para fazer a trama andar

Por exemplo: Danny vai à China enfrentar Madame Gao, consegue sequestrá-la e… retorna aos EUA com a prisioneira. Como, ninguém sabe. O próprio conflito interior de Danny, para um cara que ficou 15 anos recluso num monastério, fica suspeito na medida em que ele não se comporta como um homem calejado, mais parece um surfistinha. Parece até trama de… histórias em quadrinhos (!)

Pois bem. Diante disso, dois pontos precisam ser levantadas. Primeiro, é notório que os críticos de cinema e séries que nunca leram quadrinhos têm um certo déficit em fazer uma leitura de casos como esse. “Punho de Ferro”, publicada pela primeira vez 1974, surgiu da necessidade urgente da Marvel (sempre em cima do muro politicamente), naquela época, em atualizar seus personagens para demandas sociais e estéticas.

Enquanto o personagem Luke Cage, que por anos dividiu uma revista com Punho de Ferro, entrava na onda “blaxploitation”, Danny Rand aparecia via “febre do oriente”, quando séries de TV como “Kung Fu” (com David Carradine, favorito de Tarantino) e os filmes de Bruce Lee (além de centenas de longas de Hong Kong) eram forte referência da cultura pop da época.

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“Punho de Ferro”, portanto, nasceu como um tipo de encomenda editorial. Não à toa, o personagem foi criado pelo editor da Marvel na época, o sempre competente Roy Thomas, junto ao ilustrador Gil Kane. O fato de, na série, Danny Rand ser um mendigo em um momento, e um bilionário paramentado como Batman no seguinte (sem que isso pareça estranho) é ok para uma história de super-heróis dos anos 1970.

O quadrinho de Thomas obedecia a um certo frisson de época e foi pensado como um produto quase descartável. É difícil pegar uma matriz como essa (ainda que divertida) e querer traduzir num mundo verossímil e grandioso.

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Sim, há momentos em que a série parece escrita por um estudante de audiovisual de primeiro semestre. Danny Rand parece mesmo um herói vazio e até meio tapado. Mas, para mim, é justamente isso que faz “Iron Fist” ter alguma graça. Ela, efetivamente, lembra a liberdade poética dos quadrinhos vintage de super-herói. É apenas um produto rasteiro, meio trash. And I like it.

O que me leva à segunda ponderação: “Demolidor”, “Jessica Jones” e “Luke Cage” são realmente tão diferentes e boas assim? Francamente, à exceção da primeira (que é embasada em um material-fonte infinitamente melhor), me parece que “Iron Fist” foi vítima de certa má vontade por não cumprir determinadas agendas. De fato, um heroizinho loiro e playboy se tornando o maior mestre das artes marciais orientais não parece um mote muito cabível em 2017.

O arcos dramáticos e narrativos da série, no entanto, parecem semelhantes ao esquema formulaico e cansado das outras (mistério, origem, vilões, ninjas). “Iron Fist”, mesmo assim, por incrível que pareça, ainda guarda algumas qualidades, como um contingente bastante humano e até complexo de coadjuvantes e vilões, e um início instigante e com questões bem plantadas (ela degringola mais pra frente).

REPRODUÇÃO/MARVEL/NETFLIXA série é certamente problemática, mas não muito mais que as outras da Marvel/Netflix e, especialmente, as horríveis séries da DC/Warner — que não recebem um escrutínio tão severo da crítica.

Parece aquela velha teoria da comunicação da “espiral do silêncio”: se uma maioria está tendo uma opinião X sobre um assunto, porque vou me desgastar contra todos para falar Y dela? Vamos de X também!

Para mim, adaptar quadrinhos de super-herói é como abrir uma Caixa de Pandora de horrores pueris e coisas inconsistentes que os fãs já conhecem bem (e adoram), mas capaz ainda de horrorizar os não-iniciados. E ainda acho que o maior defeito de “Iron Fist” foi mesmo não ter incluído na trilha sonora a homônima e matadora música do Motörhead. Clássico!

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