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Mickey e Donald: lançamentos republicam gênios das HQs Disney

Carl Barks e Floyd Gottfredson revolucionaram os personagem de Walt Disney

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1 de 1 pato-donald-por-carl-barks_metropolis_banner - Foto: REPRODUÇÃO/ABRIL/DISNEY

O camundongo Mickey e o Pato Donald surgiram nos desenhos animados e, pouco depois de sua criação, foram incorporados aos estúdios de quadrinhos de Walt Disney. Esse grande criador e posterior magnata da indústria do entretenimento sabia que era preciso produzir sinergia entre meios diferentes (animações, filmes, quadrinhos) para que o universo pessoal que ele havia criado ganhasse a dimensão que incorporou nas décadas seguintes.

Disney, o animador, já utilizava equipes criativas para produzir os melhores desenhos animados americanos do início do século 20. No caso de Mickey, em suas antológicas animações ainda dos anos 1920 (“O Avião do Mickey” e “Barco a Vapor”, ambas de 1928), o estilo de animação fluido e febril, hiper-detalhado e ao mesmo tempo gracioso, deixou o mundo boquiaberto.

O estilo emulava o “slapstick” da comédia do cinema mudo, mas, potencializado pelo caráter alucinatório dos desenhos e seus animais antropomórficos, tornava-se imbatível na irresistível qualidade de impressionar com o fantástico. O Mickey dessa época chegou a ser citado no famoso ensaio do filósofo Walter Benjamin sobre a reprodutibilidade técnica.

Confira a evolução do desenho do Mickey:

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Já Donald surgiu um pouco mais tarde, em 1934, e seu arquétipo é o de um funcionário de segunda categoria de empregos subvalorizados, extremamente azarado e temperamental. Assim como Mickey saltaria das mãos de Disney para outros autores que o redefiniriam, isso também aconteceria com o pato.

Como se sabe, Disney escreveu apenas parte das primeiras tiras de Mickey e pouco trabalhou, efetivamente (com as “mãos na massa”, diga-se), com quadrinhos na vida. Obras-primas das HQs Disney, sob sua assinatura, foram na maioria escritas e desenhadas por mestres então anônimos, como o italiano Guido Martina, o americano Don Rosa e até o brasileiro Renato Canini (que revolucionou o Zé Carioca).

Tira de Mickey feita por Walt Disney

 

A republicação do impetuoso Mickey de Gottfredson
Duas publicações luxuosas e eximiamente bem editoradas da Abril nos abrem novamente as portas para dois artistas que talvez sejam os melhores de todos os tempos no panteão dos quadrinhos Disney. São as séries “Os Anos de Ouro de Mickey” e “Pato Donald por Carl Barks”, que podem ser encontradas nas bancas neste exato momento.


A primeira terá nada menos que 37 volumes e narra toda a produção clássica em tiras do Mickey a partir de 1930. No primeiro volume, temos acesso ao trabalho (raro) não apenas do próprio Disney com quadrinhos (que se assemelha às animações no timing e nas gags) como também do cartunista Ub Iwerks, que modelou o formato do camundongo não apenas nos primeiros desenhos animados (dos quais participou intensamente – sendo considerado co-criador de Mickey), mas também nas tiras.

Porém, a cereja do bolo fica para a estreia do grande Floyd Gottfredson, conhecido por ter redefinido a personalidade e o gênero das aventuras de Mickey, sendo justamente reconhecido como seu maior autor. Entre idas e vindas, Gottfredson ficou na tira do camundongo até 1975.

Até Gottfredson, Mickey era apenas uma ideia anárquica, sem estofo ou personalidade, cuja função era apenas “causar” e se meter em confusões, muitas vezes longe do que hoje consideramos politicamente correto. O autor vai redefinir seu design – sendo dele até hoje o Mickey mais “fofo” e charmoso ilustrado nos quadrinhos – e criar para ele um contexto aventureiro e impetuoso.

Ler Mickey é mergulhar nas mais histéricas aventuras cheias de perigos como cidades-fantasma do velho oeste, ilhas do tesouro, casas mal-assombradas, vulcões, etc. Além disso, o Gottfredson conferiu a estas dinâmicas tiras intenso tratamento visual, com cenários detalhadíssimos de traço efetivo e simpático, que conquistou gerações em sua viagem pela América profunda.


Além disso, esse Mickey é uma espécie de gênio indomável, sádico (gosta de judiar dos animais), violento (não é incomum vê-lo empunhando um três-oitão) e vingativo (ele deseja até a morte de seus inimigos). O caráter inusitado, impróprio para os dias de hoje, fez com que estas tiras ficassem muito tempo fora de catálogo. A edição da Abril traz à tona um universo com inúmeros textos explicativos e um caprichado tratamento na arte.

Mickey de Gottfredson: armado e perigoso

A republicação dos patos humanizados de Carl Barks
“Pato Donald por Carl Barks”, por sua vez, tem ainda mais definitivo tratamento editorial. Com textos de especialistas para cada história republicada (tendo como fonte as edições da magnífica editora Fantagraphics), essa série, que já conta com cinco volumes, é um tributo definitivo à figura de Carl Barks, que, como Gottfredson, tornou-se sinônimo do personagem que escreveu e desenhou entre 1942 e 1966.


Barks, um sujeito discreto, de caráter operário, escreveu quadrinhos tão populares que ficou conhecido como o “autor mais lido e menos conhecido do mundo”. Apesar de ter começado nas animações dos estúdios Disney (roteirizou 35 desenhos animados de Donald), ele se sobressaiu escrevendo histórias de longas aventuras (diferentemente das de Gottfredson, que eram tiras) envolvendo não apenas o personagem e seus sobrinhos, mas também criações suas, como o Tio Patinhas, os Metralhas, Gastão e o Professor Pardal.
O mérito do artista não foi apenas o de dar substância aos personagens, que antes não passavam de gags tresloucadas. Para além disso, ele criou um “mundo” (Patópolis) no qual pudessem habitar, e inseriu diversos conteúdos de teor contemporâneo (crises financeiras, disputas internacionais, viagens detalhadas a países exóticos e culturas estrangeiras) sem jamais subestimar a inteligência das crianças. Donald, Patinhas etc. têm seu mito fundador em Barks, e suas histórias funcionam como se o aspecto aventuresco de tiras dos anos 30, como Tarzan ou Flash Gordon, encontrasse uma leveza no histrionismo dos primórdios dos quadrinhos Disney, produzindo algo inédito e profundamente influente. Como diz Barks, HQs são “peças de teatro exibidas sobre um palco gigante que os leitores seguram em suas mãos.”

Os quadrinhos Disney são sempre lembrados pelo apuro com que trabalham cenários, contextos e a personalidade humana de seus “bichinhos”. Porém, os verdadeiros artistas por trás dessas obras ficaram muito tempo sob a sombra da “assinatura” Walt Disney. Vale saudar a Abril pelos relançamentos com o devido estudo historiográfico e crédito a estes gênios da nona arte.

 

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