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Melhores autoras brasilienses de HQ lançam obras premiadas

LoveLove6 e Taís Koshino debatem cultura machista e experimentação poética em novos álbuns

atualizado

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Seu médico te diz que você tem gastrite nervosa. Isso te provoca uma avalanche de sentimentos angustiados sobre a origem desse mal. Você se imagina como uma presa do discurso patriarcal, vulnerável como uma daquelas mulheres cobertas com sushi em programas vagabundos de TV. Seu estômago se torna metáfora para esse enfrentamento diário e você faz um quadrinho ensaístico sobre essas experiências.

“Gastrite Nervosa”, nova HQ da brasiliense LoveLove6, é uma árida visão sobre estes temas que vêm angustiando a autora há anos. A sacada principal é a ideia de que o machismo é um mal invisível que está destruindo não apenas a sua mente, mas também seu corpo. Sua arte é fragmentária e constrói impressões e pensamentos na linguagem dos quadrinhos.

Para quem não sabe, foi ela que realizou o sagaz “Garota Siririca“, explorando com propriedade a sexualidade feminina a partir de personagens de gêneros diversos. É um dos mais cultuados quadrinhos feitos em Brasília. Alguns anos se passaram até que LoveLove6 pudesse entregar um novo quadrinho de maior fôlego.

O novo livro foi um dos vencedores do prêmio da Feira Des.Gráfica, no Museu da Imagem e do Som em São Paulo, ocorrida em novembro de 2017. Os cinco projetos gráficos vencedores foram publicados pelo próprio MIS, e o intuito é fomentar a produção autoral em quadrinhos. A curadoria é de Rafael Coutinho, um dos grandes nomes nas HQs brasileiras da atualidade.


Outra vencedora foi a quadrinista Taís Koshino, também de Brasília, com um álbum ainda mais experimental, “Ainda Ontem”. Dentro do mercado de publicações independentes há alguns anos, esta autora tem ganhado destaque por seu traço naïve, imaginário psicodélico e abordagem surrealista do mundo. É uma arte instigante e enigmática.
“Ainda Ontem” é seu trabalho mais intimista.

Feito de grandes painéis que trabalham texturas e grafismos, o livro explora diferentes tipos de delicadezas, com uma poética cheia de estranhamentos, reminiscências e intimidades. Novamente a sexualidade feminina vem à frente, assim como uma bem lacônica história de amor entre duas garotas.

Finalmente o público brasiliense terá a oportunidade de ver os lançamentos de suas melhores autoras. Os livros estarão à venda no próximo sábado (16/12), entre 15h e 22h, com a presença das autoras, no evento “Fim de Ano na Gruta“. Além de feira de publicações independentes, haverá comida, música, festa, sessão de curtas e até gente tirando tarô!


Bati um papo com as autoras:

Seu novo trabalho mira diretamente no imaginário machista. Você literalmente se coloca sendo corroída por dentro por uma cultura patriarcal. Como você acha que obras como a sua contribuem para desarmar esta cultura?

LoveLove6: Acho que a exposição dura e crua dos pensamentos controversos da protagonista ao menos funcionam para dar visibilidade ao sofrimento psíquico causado pelo machismo, assim como à disposição autoritária e combativa que violências machistas mais extremas incitam como reação. Mas essa indignação que é mantida num corpo vulnerável e passivo também revela contradição e hipocrisia.

Eu gosto de pensar na “Gastrite Nervosa” como uma provocação aos homens que participam da cultura machista, mas também uma crítica a um pensamento simplista, por mais verdades que ele implique, aliado à passividade e à falta de comprometimento com as transformações sociais das mulheres que estão sofrendo.

Diferentemente de “Garota Siririca”, que é colorido, bem-humorado e mais despojado, “Gastrite Nervosa” é um quadrinho mais ácido e virulento. Como você avalia esta transformação no tom e mentalidade do seu trabalho?

Em “Garota Siririca”, eu procurei abordar assuntos problemáticos de uma forma positiva, numa disposição maior ao diálogo sobre o tema. Apesar de ter vacilado em alguns momentos, eu procurei não chegar a conclusões definitivas sobre temas da sexualidade, levando em consideração a diversidade de experiências individuais das leitoras. Também é um trabalho que me esforcei pra tornar comercialmente mais apelativo, no que diz respeito à sua estética.

Em “Gastrite Nervosa”, eu acredito que há uma indisposição ao diálogo. A personagem chega a diversas conclusões que podem ser consideradas muito francas e pessimistas, talvez autoritárias e moralistas, mas são afirmativas geradas a partir de um sentimento profundo de impotência e ressentimento frente às adversidades políticas e históricas que interferem na vida da personagem.

Se os homens por meio da sua violência e política não tratarem de matar a ela, a personagem mesma comerá a si própria viva, adoecida pela imersão nessa cultura masculina. Sinto que em “Gastrite Nervosa” eu me permiti expor alguma podridão íntima minha por meio das afirmativas controversas da protagonista e a estética desses quadrinhos tem a ver com eu me sentir mais confortável.

Seu trabalho procura no registro poético soluções para dilemas íntimos e pequenos detalhes da vida. Como você acha que isso expressa sua visão de mundo?

Taís Koshino: No meu trabalho, procuro trazer pequenas vivências e elementos do cotidiano, coisas que às vezes as pessoas não prestam muita atenção ou não gastam muito tempo, como elementos importantes, fundamentais para a narrativa. Essa pequena distorção de perspectiva faz com que o tempo se dilate, se amplie.

O que muitas vezes pode dar uma impressão de não ter sentido, mas o que acontece é uma nova forma de se dar um sentido, uma lógica própria que conduz a narrativa, e nesse movimento se dá o que pode ser chamado de registro poético.

“Ainda Ontem” é sua HQ mais ambiciosa: tem elaborado tratamento gráfico, mistura de técnicas e uma temática muito pessoal. Como foi o processo de elaboração deste trabalho?

A ideia dessa história em quadrinhos surgiu no começo 2015, e eu fui desenvolvendo ela com o passar do tempo. Para mim, um dos desafios foi criar uma narrativa em que ficasse clara, sem que fosse explicitamente dito, a dinâmica social do universo distópico em que ela se passa. Em 2015, eu já sabia que queria fazer colocar as fotografias de jornal como fundo, e para o desenho um traço mais fluido em páginas sem divisórias de quadros (splashpages).


As fotografias de jornal foram retiradas do “NikkeiShimbun”, um jornal em japonês feito no Brasil, que começou a chegar na casa dos meus pais quando meus avós se mudaram para lá. A mancha sobre as fotos é feita com tinta acrílica branca. Então, cada página é uma colagem dessas fotografias de jornal com a mancha de tinta ampliada e o desenho sobre ela.

Em 2016, quando saiu a primeira convocatória da Des.Gráfica, que é voltada para quadrinhos experimentais, voltei a trabalhar no projeto, desenvolvi mais a história, desenhei quase todas as páginas e fiz uma curadoria das imagens que iriam ser o fundo, mas não consegui enviar no prazo. Em 2017, voltei a trabalhar na história e consegui concluí-la para poder enviá-la. Esse processo de voltar a trabalhar na história várias vezes fez com que eu pudesse ler em diferentes momentos da minha vida e, dessa forma, criar uma narrativa que fosse mais bem construída.

Serviço:
“Fim de Ano na Gruta”
Data: 16/12/2017
Horário: 15h às 22h
Local: Gruta – SHCGN 715 Bloco N Casa 38
Evento Facebook

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