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Lone Sloane: revolucionário sci-fi de horror cósmico chega ao Brasil

O trabalho de Philippe Druillet foi publicado, originalmente, em 1966

atualizado

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DIvulgação
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Resolvi ler o enorme e extraordinário volume coletando quase todo o Lone Sloane de Philippe Druillet (Pipoca e Nanquim, 2019) ao som do jazzman/filósofo new age doidão Sun Ra, citado no quadrinho Valerian (precursor de Lone Sloane). A trilha formou um perfeito par musical para o completo derretimento psicodélico dos padrões e normas tradicionais das HQs que a obra de Druillet presenteia aos corajosos leitores, com vontade de perfurarem o lamaçal de horror cósmico e delírio desse gibi. Com seus sintetizadores e pegada avant-garde/fusion, além do futurismo holístico, ouvir Sun Ra entorta automaticamente nossas referências musicais.

Ouvir Sun Ra + ler Druillet = tomar um quartinho. E temos dito.

A série de Lone Sloane está disposta, neste volume, em cinco diferentes histórias, que saíram na França entre 1966 e 2012, sendo os dois arcos de Delirius com roteiros do grande Jacques Lob. Trazer isso ao Brasil pela primeira vez foi um acerto miraculoso. Tipo alcançar 6,03 metros no salto com vara olímpico. Este quadrinho – em especial as histórias do seu primeiro álbum, As Seis Viagens de Lone Sloane, na lendária revista Pilote – faz a passagem, no gibi franco-belga (BD), do imaginário sci-fi mais juvenil de Valerian (Christan/Mézières), ainda influenciado por Flash Gordon, para uma abordagem mítica e profunda do universo, sensual e ao mesmo tempo terrível – baseada no design inimitável que Druillet desenvolveu ao longo dos anos.

Influência

Lone Sloane teve profunda influência em quadrinhos e filmes posteriores. Da cadeira de Thanos flutuando no espaço, a Han Solo e ao Alien, muita coisa deriva da estética fortemente lovecraftiana de Druillet. Não é pra menos: foi ele que, junto a Moebius, Dionet e Farkas, lançou em 1974 a mítica revista Métal Hurlant (“metal gritante”), que viraria o jogo na abordagem de temas adultos em HQ, influenciando todo o futuro da mídia. Ficção científica, faroeste, erotismo, além de espada e feitiçaria, dariam o tom para os mais ousados tipos de experimentação, fosse formal, fosse de conteúdo. Que ainda houvesse influência de optical art e Escher, era apenas um plus nos méritos alcançados por esse quadrinho.

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Druillet é um artista cujo sentido de sua obra paira em arquiteturas imaginárias. Não é incomum, em sua estética heavy metal, que encontremos foguetes movidos a música, dragões de éter ou desertos de metal. O aspecto abjeto e colossal de suas estátuas, naves e seres gigantes reflete duas coisas: em primeiro lugar, o desarranjo que ele promove na ordem “natural” dos quadrinhos, utilizando amplamente requadros redondos, semicirculares ou em qualquer formato que a página pedir, dando um aspecto fractal e infinitesimal à paginação – coisa louca e minuciosa. Em segundo, está a sua visão holística, animista e ancestral do universo: seus deuses são insaciáveis e antiquíssimos, os poderes destes mundos são incomensuráveis e as sociedades pútridas, degeneradas.

Nonsense

Por mais que alguns aspectos de Lone Sloane pareçam tolos (porque são aventuras camp setentistas com forte dose de nonsense), Druillet ataca seus leitores com um primordialismo que nunca deixa de causar forte impressão. O cosmos como fronteira de um sobrenatural divinal e ameaçador vai sempre pairar sobre os delírios da humanidade. Em histórias mais avançadas (como Yragael, com DeMuth, ou as últimas de Lone Sloane), ele vai mergulhar inteiramente no aspecto mitológico de seu imaginário, fechando o estranho círculo que opera entre as tecnologias mais esdrúxulas e o mais primordial barbarismo. Impossível não se apaixonar por seus monstruosos piratas do espaço.

Reprodução

Lone Sloane, em si, é uma espécie de ranger espacial, empoderado por deuses sinistros, que vai visitando este cosmos com propósito obscuro. A melhor história do volume é o clássico Delirius, de 1973, onde ele vai parar num dantesco planeta dos prazeres e viver aventuras com todos os clichês do setentismo. Pouco importa, porém, a tolice de alguns argumentos. Druillet é um mago visual, e suas ideias sobre o mundo e as coisas são apresentadas perfeitamente apenas nas ilustrações. A influência do cosmos vivo e fluorescente de Jack Kirby é visível, mas arrisco dizer que, em muitos aspectos, o discípulo foi mais corajoso que o mestre.

Sun Ra (o jazzista do começo do texto) pregava um tipo de filosofia, inspirada na cabala e no misticismo do antigo Egito, que acreditava num mundo panteísta e cujo alcance da imortalidade era possível, em inumeráveis reencarnações. Isso ressoa na obra de Druillet, que claramente instalou, nos complexos sistemas de seus desenhos, um tipo secreto de linguagem, que leva a um um tipo imaginado de transcendência cósmica. Terminados o disco e a leitura, olhei para o céu frio da noite ocre e procurei imaginar equações obscuras que desvendam segredos cujas chaves só encontramos, mesmo, em sonhos e pesadelos.

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