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Irmão do Jorel: brasileiros chegam ao pódio da animação

Desenho do Cartoon Network, na 3ª temporada, nada deve às produções gringas

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Dia desses fui assistir, no cinema, a Irmão do Jorel – Edição Especial Alucinante, que ficou em cartaz por apenas alguns dias. A sessão não era exatamente um filme ou longa-metragem dessa que é a mais aclamada animação brasileira da atualidade. Tratava-se de uma espécie de pot-pourri de episódios da segunda e da terceira temporadas da série, sendo que a última começou em julho de 2018 e ainda segue sendo transmitida em 2019. Estava apenas atrás de um motivo para escrever sobre este desenho.

 

Irmão do Jorel estreou no Cartoon Network ainda em 2014, após um pitching vencido pela produtora Quase, que conta com produções diversas no campo do humor brazuca recente. Os sucessos Choque de Cultura e Falha de Cobertura, por exemplo, também se contabilizam entre os produtos vitoriosos desses comediantes. Saíram de lá, por exemplo, Daniel Furlan, Caito Mainier e Raul Chequer, que começaram a fazer sucesso na finaleira da MTV e hoje são rostos conhecidos por diversas atividades no showbizz por aí. Os caras cultivam um humor sacana, firulento e histérico, bem ao gosto do clássico Hermes e Renato, uma forte inspiração.

O desenho do Cartoon, no entanto, é criação de outro membro da Quase, Juliano Enrico, que dedicou longos anos preparando o terreno para, quem sabe um dia, aquilo pudesse vingar e se tornar uma profissão. Irmão do Jorel foca na vida de uma família brasileira roots, estilo anos 1980 e 1990, cheia de reminiscências engraçadas (objetos, programas de TV, hábitos) que seriam específicas do nosso contexto, mas surpreendentemente funcionam dentro dos parâmetros mais ou menos universais do canal americano. O mérito da excelente animação fica por conta do doidão Andrei Duarte, responsável pela enorme riqueza tanto técnica quanto do imaginário da produção.

Para quem ainda não sabe, a história mira o cotidiano de um garotinho de oito anos conhecido apenas como “Irmão do Jorel”. Ou seja: em sua timidez e insignificância, ele é ofuscado pela beleza e grandeza (em tudo que faz) do lindo irmão do meio, o próprio Jorel. Este, no entanto, é apenas um coadjuvante. A convivência ao redor da família é que dá o caldo.

 

Juliano Enrico muitas vezes afirmou ter baseado alguns personagens em seus próprios familiares (ele tem um irmão verdadeiro chamado Jor-El). O pai, Edson, por exemplo, é um quixotesco jornalista com discurso de esquerda universitária vestindo uma camisa de Charlie Harper. O irmão mais velho Nico é um típico adolescente cabeça-de-vento estilo Beavis e Butthead (outra inspiração). Já a mãe, Danusa, é uma hiperativa professora de dança cheia de cacoetes maternos da época.

Irmão do Jorel tem uma iconografia brasileira. Carros, roupas, modelos de brinquedos, canetas e até os sotaques e falas remetem à nossas “qualidades” locais. Mesmo assim, não deixa de ser uma produção Cartoon extremamente eficiente. Neste sentido, está afinadíssimo com o que de melhor este e outros canais produzem em termos de desenhos inteligentes para crianças.

Caretas estilo Bob Esponja, viradas na trama estilo Apenas um Show e surrealismos incidentais à maneira de Gumball estão presentes, junto a zilhões de outras referências (é possível traçar um mapeamento de cada episódio) que fazem do desenho um gororoba boa de trasheiras pop que vão retroagindo até os anos 1980. Isso não tira, é claro, o brilho próprio da série.

Como todo produto da atualidade que seja inteligente para crianças e adultos ao mesmo tempo, a série tem lá seu caráter iconoclasta. Além de fazer paródias de produtos culturais tipo He-Man e de bandas de hair metal, Irmão do Jorel dispara contra o establishment imbecil da TV, contra cinéfilos pernósticos e contra multinacionais gananciosas. Minhas gags favoritas com certeza são aquelas com os executivos da perversa Shostners & Shostners: yuppies brancos idênticos, de tipo publicitário, que só sabem repetir platitudes e ideias óbvias.

E quanto ao Irmão do Jorel – Especial Alucinante, no cinema? Bem, confesso que senti uma sutil queda na qualidade (do humor, principalmente) na terceira temporada. Estender um pouco a duração dos episódios não funcionou da melhor maneira, e o plot da mudança da amiguinha Lara para o Japão – com desdobramentos surrealistas que procuram metaforizar o caos no qual o mundo contemporâneo mergulhou – não foi dos meus favoritos.

Ver os episódios encadeados assim, com longas expectativas dramáticas e “arcos” para os personagens, me lembrou o quão problemáticos foram filmes de longa-metragem de séries quase perfeitas, como Simpsons, South Park e o próprio Beavis and Butthead. Nada, no entanto, que arranhe a imagem desta muito significativa conquista da animação brasileira. Irmão do Jorel está aí para colocar o Braza entre os pesos-pesados da cultura pop global. Isso se o incerto futuro das nossas produções audiovisuais não arruinar esta escalada.

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