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Inigualável HQ Príncipe Valente é relançada no Brasil em 81 volumes

Obra-prima de Hal Foster volta às prateleiras pelo selo Planeta DeAgostini em edição caprichada

atualizado

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Um mundo medieval de cavalaria povoado por selvagens, nobres malévolos e dragões. Você deve saber que estou falando de Príncipe Valente, uma das mais longevas histórias em quadrinhos já publicadas, cuja trajetória completa a editora Planeta DeAgostini traz agora ao Brasil, em estupefantes 81 volumes. Para quem chutou uma série que começa com “game” e termina com “thrones”, saiba que há elementos em comum, mas não muitos.

Este quadrinho com certeza possui muitas singularidades, mas não se trata de carnificina e elementos (hoje nem tão…) politicamente incorretos , mas, sim, de uma límpida proposta neoclássica que jamais foi imitada (e muito menos superada) na história das HQs.

Príncipe Valente surgiu em 1937, quando o ilustrador canadense Hal Foster, famoso por atuar nas tiras dominicais do Tarzan, resolveu empreender um projeto, digamos, mais autoral, com anuência do magnata dos jornais William Randolph Hearst, dono de metade das associações de desenhistas dos Estados Unidos na época.

É notória a transformação que a década de 1930 (do New Deal, não esqueçam) operou no então popularíssimo gênero das tiras diárias e dominicais. Antes da recessão, abundavam os gêneros de animais engraçados (Krazy Kat), crianças infernais (Sobrinhos de Capitão) e tiras de família (A Pequena Órfã Annie).

Tarzan, Buck Rogers e Flash Gordon ajudaram a sedimentar a fisionomia naturalista para os personagens de HQ, e as tiras de aventura ganharam impulso por, supostamente (esta é uma versão acadêmica “oficial”), inspirarem tempos menos agrestes para os EUA. A cultura de super-heróis seria uma consequência disso.

Hal Foster estudara na Academia de Belas Artes de Chicago e seu estilo em Tarzan tinha uma pegada naturalista, extraída de influências como o pintor francês Jacques Louis David e o inglês William Hogarth.

Diferentemente de Alex Raymond, que ilustrava Flash Gordon com mais hachuras e irregularidades, aparentando-se de uma arte mais barroca, Foster cultivou um estilo límpido, fino e detalhado, com inspiração na harmonia, composição e equilíbrio dos clássicos da antiguidade. Seu projeto autoral surgido em 1937, Príncipe Valente, é a prova mais irretocável desse mérito artístico. Ele desenhou a tira até 1972 e a escreveu até 1980.

As tiras do Príncipe Valente foram publicadas no Brasil desde a época em que saíram originalmente, mas as edições mais lendárias (num enorme formato em preto e branco) foram lançadas pela Ebal entre os anos 1970 e 1990. Já nos anos 2000, a Opera Graphica as republicou também com qualidade. Porém, a série nunca saiu completa e os volumes da Planeta DeAgostini utilizam lindas restaurações das cores originais, numa paleta clara e suave, trazendo à tona a sistemática beleza detalhista do projeto de Hal Foster.

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Um quadrinho à parte da história da mídia
Príncipe Valente é um marco dos quadrinhos, certo. Mas o que faz um clássico tão absoluto? Eu costumo dizer que há obras, na história das mídias (filmes, literatura, música, etc.), que seguem seu caminho tortuoso e se tornam gêneros em si. Limite (1930), nosso maior clássico mudo no cinema, não possui ascendência ou descendência.

É um evento solo, que poderia ter revolucionado toda nossa cinematografia, mas que parou na esterilidade da história. A obra de Frank Zappa, com a erudição selvagem que transformava seu rock num monumento desconhecido, é outra que sofre de solipsismo. Suspeito que Príncipe Valente pertença à mesma estirpe.

Vejamos: quando esta tira surgiu, Foster resolveu abolir os balões de fala e retroceder à maneira com que os quadrinhos eram representados no século 19, ou seja, em narrativas justapostas com letreiros (o que os críticos chamam de “recordatórios”). Certamente o artista canadense não queria que o “feio” recurso estragasse as infinitas horas de trabalho que ele devotava para dar ares realistas (muito bem pesquisados) à arquitetura, indumentária e fisionomia de suas histórias.

Uma HQ sem balões e com recordatórios em todos os requadros, no entanto, quebra com o simultaneismo caótico que faz, daquilo que se seguiu na história da mídia, dos quadrinhos uma arte ubíqua, ou seja, que está em todos os lugares ao mesmo tempo. Príncipe Valente prioriza uma linearização perfeitamente racional de seu universo, resvalando em certa monotonia que combina perfeitamente com a “classe” e distinção de seu protagonista, um jovem príncipe de um rei desterrado que vai procurar abrigo e um sentido para a vida na corte do famoso Rei Arthur.

A clareza de narrar estabelecida por esta fórmula, mantida por 80 anos, contrasta brutalmente com o que os quadrinhos se tornariam já nos anos 1940, com a revolução de ângulos e perspectivas inspirada por Spirit, de Will Eisner. A primeira edição mostra um príncipe adolescente, mas perfeitamente ímpio e engajado – um badass em estágio de formação – capaz de improvisar acampamentos, boleadeiras e até máscaras de demônio feitas com pele de ganso. Coisa pra Arya nenhuma botar defeito. Valente é inviolável, inexorável. Suas virtudes são platônicas, e suas habilidades, quase maquínicas.

Este temperamento do protagonista é duplicado na forma de narrar dos quadrinhos, que usam poucos closes e decupam com dificuldade suas cenas. Príncipe Valente, a HQ, parece cristalizada num monumento fora do tempo, diferente de tudo que veio antes e depois. Sua narrativa estoica, mas cheia de aventura, tem uma organização automática, propícia aos melhores cliffhangers, como se pudesse, por natureza, ser sequenciada ad infinitum numa programação artificial.

Outros artistas históricos, como John Cullen Murphy ou os responsáveis atuais pela publicação, Mark Schultz e Thomas Yeates, deram prosseguimento ao leviatã de Foster, ciclo ainda não encerrado nas comemorações de 80 anos do personagem. Prova viva de que os ciclos arturianos e a fantasia medieval encontram lugar no passado e no futuro. Que Príncipe Valente continue nas bancas atraindo a atenção de jovens fãs de quadrinhos é algo que atesta sua perenidade como cometa que insiste em retornar, com todas as suas idiossincrasias, de década em década.

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