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Cultura e proibição da maconha são investigados em romance gráfico

Esse urgente trabalho norte-americano é do artista Box Brown

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Diamba. Erva. Marijuana. Cânhamo. Maconha. Cannabis. Ela atende por vários nomes, mas certamente não é o diabo. A sedutora planta, hoje legalizada para uso medicinal e/ou recreativo em mais da metade dos EUA, possui uma longa trajetória histórica e cultural para chegar até o debate atual, central nas políticas públicas de qualquer nação contemporânea. A HQ jornalística Cannabis – a Ilegalização da Maconha nos Estados Unidos (Mino, 2019), do americano Box Brown, se propõe não apenas a retomar os passos a respeito de como esta droga chegou ao severo estigma que sofre na sociedade atual, mas também a discutir como ela chegou a se tornar um ícone cultural da modernidade, em um debate sobre o qual todos devem se inteirar.

Como se sabe, a cannabis sativa detém vários usos, e chegou às Américas via o conquistador espanhol Hernán Cortés, que a trazia nas velas e cordas de seus navios. Extremamente fibroso, o cânhamo produz um tecido resistente. Os povos indígenas locais (Astecas, em sua maioria), no entanto, já conheciam o uso de “plantas do poder”, e fizeram proveito da sua aplicação, digamos, mais “transcendental”. Isso influenciou toda a cultura mexicana, que acabou por trazer o hábito de fumar coletivamente aos Estados Unidos, quando foram trabalhar na fronteira, justamente com os negros, no Século 19.

Cultura negra

A cultura negra e a mexicana, portanto, incidiram o uso da cannabis nos EUA, via blues, via jazz, via multiculturalismo. Brow foca fortemente sua argumentação na visão racista dos americanos sobre os vizinhos, e explica como a planta começou a ser vista como um hábito “sujo” de imigrantes e “cidadãos de segunda categoria”. Boatos se espalhavam de que era pior do que a heroína (que também teve alta incidência na época), de que causava loucura, assassinatos, estupros. Uma incansável campanha, liderada pelo comissário do Departamento Federal de Narcóticos Harry Aslinger, se instaurou até que a cannabis fosse proibida em 1937.

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Brown possui um estilo simples e efetivo, com ilustrações que remetem ao estilo de Marjane Satrapi, e também à sua dinâmica de utilizar transições claras e pacotes econômicos (porém bem dosados) de informações buscando precisão e delineamento. Seu romance gráfico tem duas diretrizes bastante claras: por um lado, evidenciar que um fenômeno muito semelhante ao espalhamento de fake news atual ocorreu na mesma época: são mostradas e analisadas as evidências e argumentos contra a cannabis entre os anos 1920 e 1930, e tudo não passa de calúnias muitas vezes absurdas, sem qualquer comprovação científica, e risíveis à luz dos dados contemporâneos.

William Randolph Hearst, por exemplo, magnata dono do New York Journal (e influente na popularização dos quadrinhos), conhecido por ser um dos pais do “jornalismo marrom”, fez forte campanha a favor da proibição, utilizando argumentos dos chamados “arquivos sangrentos” de Aslinger, que detinham relatos, por exemplo, de um rapaz que fumou maconha e esquartejou a família. Havia um imaginário, cuidadosamente inoculado na população, de que fumar esta erva liberava um “berserk” primitivo e não-civilizado nos cidadãos – como se eles fossem, por exemplo, se comportar como “imigrantes bárbaros” como aqueles que haviam trazido a droga ao país.

Lanterna frente ao obscurantismo

A segunda diretriz é a construção de um status cultural da maconha que envolva ascetas sadhus indianos, a cultura de compartilhamento mexicana até a contracultura ativista dos anos 1960, além de todo um inventário de temas envolvendo os efeitos da erva: do relaxamento corporal e diminuição de infecções, até as intensas introvisões pessoais que pode causar, e também efeitos de paranoia e ultrassensibilidade. Brown não é proselitista, e o debate que ele invoca com a HQ é urgente, cuidadoso e bem apurado. Parece o contrário do que se possa considerar a respeito de qualquer debate contemporâneo, e também do que ocorreu nos EUA antes da proibição, centrado em boatos, interesses, racismo e negação dos procedimentos científicos.

Cabe lembrar que o álcool também foi proibido nos EUA entre os anos 1920 e 1930, especialmente para tirar poder dos estrangeiros que eram donos de tantos bares desde o século 19, para moralizar a sociedade e inviabilizar a “destruição de famílias” que a bebida trazia ao cenário pós-Velho Oeste. Acabou criando um violento e lucrativo mercado paralelo e, de quebra, a máfia americana. Quem quiser conferir, veja o documentário Prohibition, de Ken Burns.

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Motivos semelhantes (racismo, interesse, etc.) levaram à proibição da cannabis, que figurou no exílio da ilegalidade durante tantas décadas até que pudesse ser legitimamente repensada enquanto cultura no Século 21. Mesmo que antes fosse conhecida como “erva do diabo”, hoje se procura associá-la a práticas religiosas santas (como se faz na Índia), práticas medicinais ou mesmo a práticas recreacionais que, mesmo tendo lá seus efeitos colaterais, não transformam ninguém em assassino. Neste sentido, a HQ de Brown é uma lanterna de razão no meio de um vácuo de desinformação e obscurantismo.

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