Coletivo brasiliense lança antologia de quadrinhos experimentais
Antologia 2017 é publicação da Editora Mês e está disponível on-line
atualizado
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O pessoal do coletivo e editora Mês compõe a mais recente geração estruturada de quadrinistas brasilienses. Oriundos de uma certa “classe de 2013” da Universidade de Brasília, eles ralaram os pincéis nos zines durante anos até que pudessem lançar – em 2015, num financiamento coletivo via Catarse – um volume encadernado cujo nome era justamente o ano de lançamento.
Nessa HQ, por meio de uma convocatória, eles publicaram ótimo material produzido naquela época. A pegada era experimental, intelectual, anárquica. Bons autores, como Diego Sanchez e Taís Koshino, estiveram presentes. A ideia era tirar proveito do potencial plástico e antinarrativo das artes sequenciais.
Pois eis que esses artistas voltaram a se reunir para uma última publicação mais extensa. O livro Antologia 2017, lançado agora em plataforma on-line (pode ser adquirido de graça aqui), traz mais 12 histórias inéditas realizadas sob encomenda dos editores (num processo curatorial mais específico). O resultado traz menos irregularidade: todas as histórias têm, rigorosamente, 10 páginas. A Mês fecha as portas agora, mas os projetos de quadrinhos dos autores não vão parar.
O coletivo Mês nasceu no mundo dos zines. Seus editores (Daniel Lopes, Antônio Silva e Salu) sempre pregaram a produção constante e artesanal, dando voz a talentos iniciantes e a visões divergentes sobre o que pode ser a arte dos quadrinhos. Ainda em 2013 lançaram 12 edições simples (uma por mês, daí o nome), xerocadas com trabalho de dezenas de artistas. Em 2016, repetiram a dose zinesca.
A capa de cada zine trazia um desenho de um personagem como se fosse uma foto 3×4, com as costas da imagem aparecendo na contracapa. Um conceito muito interessante, dentro do qual os artistas puderam trabalhar estilos que iam do mais detalhista realismo até a colagem e a abstração. A formação em artes visuais de boa parte dos quadrinistas ajudou a formatar a pegada avant-garde manifestada no conteúdo desses gibis.
As publicações 2015 e Antologia 2017 têm capas elaboradas na mesma “lógica 3×4”, e vale elogiar a linda ilustração de Daniel Lopes para o novo trabalho: trata-se do perfil de um astronauta retrô com estilo Buck Rogers, glorioso e invocado, numa hipnótica paleta de cores. É o prenúncio do intrigante material que está por se apresentar.
Antologia 2017 traz autores mais maduros do que em trabalhos anteriores, e a tendência em problematizar as fronteiras de linguagem dos quadrinhos se intensifica. Novamente, a arte dos editores se destaca: a quadrinista Salu abre a coletânea com uma história rascunhada, fluida e metalinguística, que não deixa de dever seu legado às experimentações de pioneiros como Krazy Kat.
No final do livro, o próprio Daniel Lopes também se lança a uma empreitada ousada: apenas com páginas inteiras (splash pages), ele reflete sobre a natureza dos sonhos, com intenso diálogo entre o mundo das imagens e das palavras. É visualmente impactante e filosoficamente intrigante.
Além de Salu, há outras participações femininas muito originais: a iconografia (também poética) da excelente Manzana, a oscilação entre abstração e narratividade de Cath Gomes e as colagens quase cubistas de Isadora Fernandes. Ana Terra (que assina como Extraterrestre) nos traz uma fábula louca de gatos e lobos, influenciada ao mesmo tempo por mangá e pelo mais descerebrado indie comic.
Por fim, vale destacar a afetividade travada no quadrinho mudo de Ramon Cavalcante, o non-sense ultrafreak de Adonis Pantazopoulos e uma nova história (finalmente!) do brasiliense Gabriel Mombasca (veterano da Samba), espécie de fábula (muito bem esquadrinhada) sobre o poder deletério do desejo.
Enviei duas perguntas ao editor Daniel Lopes:
O coletivo e editora Mês se propõe a publicar quadrinhos de caráter experimental. Como identificar um quadrinho desses e qual a importância desse gênero para a cena brasileira atual?
Por já focar histórias de novos autores e autores independentes, esse fator do experimental acaba sendo mais uma consequência. Sempre buscamos na Mês tentar sair um pouquinho da curva do mainstream. Nós três [editores] tivemos formação em artes, isso acaba também nos deixando mais alertas para o diferente ou estranho. Sobre a importância disso para o cenário geral, diria que é diversificar. O quadrinho brasileiro tem uma herança muito forte nas charges ou tiras de humor, e inconscientemente acabamos fugindo um tanto disso.
A Mês publica autores de todo o Brasil, mas seus fundadores e vários colaboradores estão em Brasília. Como você analisa a atual cena da capital e quais os próximos passos para ela?
Sem dúvida, a cena de quadrinhos em Brasília tem crescido e se fortalecido. Acredito que estamos em um momento de formação de público em paralelo à maturação dos autores da nossa geração. Com a Antologia 2017, estamos fechando um ciclo. Encerramos as atividades da editora com a sensação de termos contribuído para o crescimento dessa cena. Metade dos autores da Antologia 2017 são de Brasília, e a grande maioria dos que publicaram pela Mês também são daqui e vários continuam ativos. Além disso, eu e a Salu também atuamos na produção da Feira Dente, com a ideia de fortalecer a produção dos autores e a relação com o público.