A Repartição do Tempo: Dedé Santana estrela filme de viagem no tempo
Dirigido por Santiago Dellape, longa ambientado em Brasília estreia nesta quinta-feira (1º/2) em circuito nacional
atualizado
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Os paradoxos causados por uma viagem no tempo são tema por excelência da ficção científica e capazes de embolar a mente de pessoas do mais alto QI. Tudo isso graças aos inúmeros arranjos que linhas temporais diversas adquirem ao alterarem o passado ou o futuro. Afinal, vale a velha máxima: se eu voltar no tempo e matar meu avô, não terei nascido para… voltar no tempo e matar meu avô!
Filmes, livros e produtos diversos se embrenharam nesse matagal da viagem no tempo para explorá-la com as mais diversas nuances, seja num estilo pop e “for dummies” como De Volta Para o Futuro, seja numa rede impenetrável de realidades distintas – como no ridiculamente hermético Primer, de Shane Carruth (desafio você a entender qualquer coisa).
Há também, é claro, uma abordagem mais filosófica, como fez Isaac Asimov no romance O Fim da Eternidade. A viagem no tempo interessava inclusive a Einstein, que chegou a afirmar ser possível voltar ao passado, já que, quando atingida a velocidade da luz, o espaço-tempo começaria a voltar para trás.
Digo esse introito todo para justificar meu entusiasmo pela produção brasiliense A Repartição do Tempo, de Santiago Dellape, que estreia nesta quinta-feira (1º/2) em cadeia nacional. O filme abocanhou uma menção especial do júri no prestigiado Fantasporto International Film Festival, além de participação no Festival de Tiradentes em 2017.
A premissa é tão insólita quanto hilária: o chefe de uma repartição pública decadente, usando uma máquina do tempo, duplica e prende seus funcionários para que eles trabalhem com “eficiência máxima”. A partir daí, os paradoxos temporais abundam em situações que vão da ficção científica descolada até Zorra Total.
Dellape e o roteirista Davi Mattos apostaram em uma muito curiosa fusão de elementos e gêneros que tornam A Repartição do Tempo uma comédia ao mesmo tempo “cult” e viável comercialmente: estão lá, trapalhadas à la Sessão da Tarde (não à toa, o filme conta com a fundamental participação de um trapalhão por excelência, Dedé Santana); maloqueirice estilo Cheech and Chong; um certo ar fantástico que lembra o cinema de Tim Burton; além de uma notável produção que deixa o longa tecnicamente redondo, pronto para todos os públicos e idades (ou quase…).
Essa guinada pop, capaz de unir, de um jeito pós-moderno, tantas facetas diferentes, se alinha à tendência do cinema mundial e até brasileiro (vide Bingo: o Rei das Manhãs) em reconhecer na nostalgia um filão que restaura uma memória coletiva, traz solidez à identidade de uma geração e busca reconhecimento a produtos antes considerados inteiramente descartáveis, como filmes tipo Curtindo a Vida Adoidado e a série dos Trapalhões.
Além de fazer essa costura, buscando equilíbrio entre o estritamente comercial (beirando o padrão Globo) e avalanche de memórias e afecções, A Repartição do Tempo lança um olhar cômico que se aproveita do estereótipo de Brasília e do brasiliense para soltar várias piadas internas, conseguindo traduzir um sotaque local não muitas vezes visto no cinema da cidade.
Brasília já havia sido retratada como sci-fi em outras ocasiões, como no estranho Insolação, de Daniela Thomas e Felipe Hirsch, com resultado enfadonho. Já o recente cinema de Adirley Queirós é outra proposta, mais ferina e cheia de potência, lançando olhar crítico sobre a desigualdade social do DF. A Repartição do Tempo, inteiramente dentro da “cultura pop”, surge como uma terceira via. Para aqueles capazes de desenovelar os malucos paradoxos temporais, é claro!
A ZIP enviou duas perguntas ao diretor Santiago Dellape:
A ficção científica é um gênero incomum na produção brasileira. Como você conciliou a ideia de se aventurar numa história de viagem no tempo e ainda assim manter a viabilidade comercial do filme?
Eu e Davi Mattos, roteirista do filme, sempre tivemos uma certa fixação por histórias de viagem no tempo e já desenvolvemos alguns roteiros nessa linha. Nos sentimos desafiados a pensar sobre os paradoxos temporais que geralmente surgem nesse tipo de narrativa. Acho que é um tema que causa fascínio nas pessoas pelo que ele tem de surreal e fantástico.
Sinceramente, não posso responder sobre a viabilidade comercial, pois sequer sei se o filme é viável comercialmente. Ele está tendo um lançamento bem modesto, em poucas cidades, num período bastante complicado de Carnaval e concorrendo com filmes do Oscar. Embora meus trabalhos tenham algum apelo de público, reconheço que a trama de A Repartição do Tempo pode se mostrar inacessível a uma parcela da audiência, já que as idas e vindas na história, em dado momento, ficam confusas até mesmo para os roteiristas! (risos). Mas, de qualquer maneira, acho que o público pode gostar pelo tom leve e despretensioso do humor que estamos propondo, e por ser um tipo de comédia que destoa do usual para o cinema brasileiro.
A Repartição do Tempo tem elementos de humor dos anos 1980, Sessão da Tarde e coisas como O Grande Lebowski. Como você vê o apelo nostálgico do filme para plateias dos anos 2010?
Acho que A Repartição do Tempo vem nessa onda nostálgica de resgate da estética dos anos 1980, da qual o maior expoente hoje em dia seria Stranger Things. Mas não acho que seja um simples modismo, mesmo porque o projeto de A Repartição do Tempo foi concebido em 2011. Percorremos um longuíssimo caminho desde o filme sair do papel até chegar nas telonas, no qual esbarramos principalmente na dificuldade de levantar recursos para a produção e, já com o filme pronto, de colocá-lo nas salas de cinema.
Mesmo antes de chegar no longa-metragem, eu e Davi já estávamos bebendo nessa fonte dos anos 1980, como fica claro no curta Ratão (2010), que nada mais é do que uma grande homenagem a filmes que fizeram nossa cabeça quando crianças, como Goonies e Os Aventureiros do Bairro Proibido. Já O Grande Lebowski, que você mencionou, embora não faça parte desse mesmo recorte cinematográfico, é sempre uma referência máxima e contínua nos nossos roteiros, pois nos consideramos “dudeístas não praticantes” nesse singular culto que o filme dos irmãos Coen inaugurou.