Temer, nome social é resultado da luta cotidiana de trans e travestis
Lucci Laporta ativista do direito dos LGBTs toma conta da coluna para falar sobre o uso do nome social em todas as instâncias do âmbito da administração pública federal
atualizado
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Ao invés de eu escrever na coluna de hoje a respeito do projeto de lei que pretende proibir o uso do nome social por travestis e transexuais, cedo espaço a Lucci Laporta*, ativista do direito dos LGBTs para dar seu recado direto. Fala Lucci:
“Mais uma vez a bancada fundamentalista religiosa se organiza para atacar os direitos de pessoas travestis e transexuais. Na última quarta, 28 deputados de partidos de direita apresentaram o Projeto de Decreto da Câmara – PDC 395/2016, que visa sustar o Decreto 8.727 de 28 de abril de 2016, assinado pela presidenta dias antes de ser afastada e depois de mais de cinco anos se omitindo quanto aos direitos da população de Lésbicas, Gays, Bissexuais, Travestis e Transexuais. De todo modo, o decreto é uma conquista importante: estabelece a utilização do nome social em todas as instâncias do âmbito da administração pública federal.
O Decreto 8.727, cabe lembrar, não foi uma benesse de Dilma. É resultado de uma luta cotidiana do movimento de travestis e transexuais e um passo fundamental rumo ao combate à transfobia no Brasil. Contudo, mesmo com os avanços que pode trazer, a regulamentação do nome social será sempre uma política paliativa.
Nosso objetivo é a aprovação de uma lei de identidade de gênero que permita retificação do nome e do gênero em todos os documentos oficiais sem a necessidade de passarmos por processos patologizantes e judiciais.
Esse projeto existe, é conhecido como Lei João Nery e foi apresentado à Câmara pelo Deputado Federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) em 2013, mas até hoje não foi votado. Em mais de dois anos, Dilma nunca defendeu a aprovação do projeto e não podemos esperar nada diferente do presidenta interino, Michel Temer, que não terá nenhum pudor em presenciar o ataque de seus aliados congressistas não só contra o decreto do nome social, mas também contra o aborto em casos de estupro e pelo fortalecimento do fundamentalismo penal que acomete sobretudo a juventude negra.
É preciso que nos organizemos contra tais ataques, mas também que nos perguntemos o porquê do silêncio da presidenta Dilma quanto à reação dos fundamentalistas ao seu próprio decreto. É preciso que nós, travestis e transexuais, notemos que a possibilidade ou não de conquista de nossas pautas específicas está diretamente relacionada a esse sistema político desnudado pelas recentes investigações da Operação Lava Jato que afetaram os figurões dos maiores partidos políticos do país e de vários dos que se fazem passar por arautos “da moral dos bons costumes”.
Não conseguiremos manter as poucas conquistas e alcançar as mais necessárias sem participarmos das lutas sociais e tomarmos para nós as decisões que as castas políticas querem manter nos palácios. A democracia e os direitos sociais precisam, de uma vez por todas, existir para travestis e transexuais. Para que isso ocorra é tarefa fundamental participarmos ativamente da construção de uma nova alternativa política que supere todos os governos que se negaram a agir diante do extermínio e marginalização que nos são impostos.
Sendo assim, nossa luta deve ser também pela reforma política e contra o desmonte dos serviços públicos realizado por todos os antigos governos e acelerado pelo interino Michel Temer. Nossa luta é para que a decisão sobre o desfecho dessa crise política seja do povo, pois as castas presentes nesses poderes não têm qualquer condição de decidir sobre nosso futuro. E então, caminharemos na direção de um Estado de fato laico e de um regime em que a democracia possa se realizar no Brasil.”
* Lucci é mulher trans, estudante de Serviço Social na Universidade de Brasília (UnB) e militante do movimento Juntos!.