Prisioneiras é sobre sexualidade lésbica na cadeia
Obra literária mostra os jogos de poder e sensualidade nas celas
atualizado
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De repente, chega uma mensagem esbaforida de uma amiga no meu WhatsApp perguntando se eu já tinha lido o novo livro do Drauzio Varella, Prisioneiras. Disse que não, achando engraçado o nervosismo. Ela, então, me envia os dois capítulos sobre as relações sexuais dentro do presídio feminino. Terminei a leitura tão sem ar quanto ela.
Logo nos primeiros parágrafos, ele já avisa que, as relações homossexuais entre encarceradas vistas em filmes e séries, são puro fetiche e não correspondem à realidade. É importante lembrar: o conteúdo desses capítulos não são fruto de uma pesquisa antropológica, mas da observação de um médico responsável por cuidar da saúde de mulheres na situação de encarceramento.
O machismo, constantemente, leva as pessoas a fazerem piadas sobre o ato sexual entre mulheres, como se não fizesse sentido, já que não gira em torno da penetração. “Relacionamentos sexuais em prisões masculinas podem ser descritos em um único parágrafo (…), já o sexo entre presas é um tema de complexidade incomparável”, diz Drauzio, no início do capítulo Sapatões.
Nele, o médico apresenta a figura no topo da cadeia alimentar sexual daquele ambiente: as sapatões originais. São mulheres que nunca estiveram com homens, ou seja, conservam o hímen. Se vestem com roupas largas (o estereótipo do masculino), top para apertar os seios e cueca. Também adotam nomes diferentes, sustentam as parceiras, cobram respeito, obediência e fidelidade, e, no ato sexual, jamais têm sua vagina tocada.Se descobrem que a sapatão original já andou com homem fora da cadeia ou teve filhos, por exemplo, ela perde seu valor entre as demais. Nesse caso, ela é um foló. Alguém que, lá fora, teve um histórico heterossexual. Aliás, essas mulheres podem até receber visita íntima do marido e viver com sua parceira na cela.
Isso determina até a forma de praticar o sexo. “O foló roça, mas não pode rebolar mais que a parceira. Se der essa mancada, fica na mão dela. Se ela contar na galeria, está desmoralizada”, avisa Pedrão – uma das entrevistadas.
No capítulo seguinte, Entedidas, sai a imagem masculina e entra a feminina. Nele, o autor aborda toda a diversidade de expressão do feminino, tanto em sexualidade quanto em afeto. Existem as Sacolas, Chinelinhos, Pães com Ovo, Badaroscas, Entendidas Ativas, Passivas, Relativas e as Mulheríssimas.
Drauzio sempre se destacou por sua postura de inclusão dentro do campo médico. Ao mesmo tempo, tem um olhar atento ao perceber como o machismo está presente na condição das mulheres encarceradas – e, em alguns aspectos, se mostra determinante na expressão do desejo sexual delas.
Ele termina com uma afirmação provocadoramente curiosa: “Talvez a cadeia seja o único ambiente em que a mulher conta com essa liberdade [de viver sua sexualidade como quiser]”.