Os LGBTs dos anos 1920 e 1930 chamam a atenção na minissérie Ligações Perigosas
Vitória (Alice Assef), a fiel empregada de Isabel (Patrícia Pillar), e o performer Collete D´Or (Darwin del Fabro) estão mostrando novas nuances na questão de gênero
atualizado
Compartilhar notícia
Quem está acompanhando a minissérie da Globo “Ligações Perigosas” já reparou em dois coadjuvantes que representam a classe LGBT na história: Vitória (Alice Assef), a fiel empregada de Isabel (Patrícia Pillar), e o performer Collete D´Or (Darwin del Fabro). É preciso diferenciá-los.
Primeiro, a empregada Vitória se veste de homem, quando necessário, para cumprir as ordens mais complexas da malvada patroa. Logo no primeiro capítulo, se utiliza deste artifício para entregar um bilhete em um cassino a um amante de Isabel, deixando muito claro ao homem que não questiona as ordens que recebe, apenas cumpre. O remetente constata que ela está ficando profissional nisso, o que demonstra uma certa prática.
A moça faz uso do que a sociedade determina ser de um gênero diferente do que ela pertence. Relembrando o que eu falei sobre gênero no texto da terça-feira passada, uma mulher na década de 1920, fazendo coisas típicas de homens (como adentrar em um cabaré, usar terno e gravata), pode ser identificada como uma crossdresser, o que não necessariamente quer dizer que ela seja homossexual. Isto é uma outra coisa.
Já Collete D´Or é um artista que faz performances exacerbando sua feminilidade. Seu nome de batismo é Astolfo Lemos – como o da Rogéria – e é filho de um advogado de preceitos morais rígidos. Por isso ele abandonou a cidade, mas foi trazido de volta por Isabel, com o intuito de chantagear seu pai. As apresentações da transformista lembram as de Madame Satã, outro artista homossexual da mesma época em que se passa a história, com a diferença de que Madame era negro, malandro, se prostituía e vinha dos bairros mais pobres do Rio de Janeiro.
Essas décadas ficaram conhecidas na história como “os anos loucos”, porque muita coisa mudou neles. Logo após o fim da Primeira Guerra Mundial, toda a sisudez do fim do Século 19 perdeu o sentido, o que resultou em mulheres com cabelos mega curtos, à la garçonne, e saias que deixavam os tornozelos à mostra. A dança era o frenético foxtrote e os costumes se tornaram mais permissivos. Mesmo a homossexualidade gozou de uma maior tolerância nessa época, mas, é bom que se diga, uma tolerância à brasileira.
Ser homossexual nunca foi crime no nosso país, apesar de homossexuais terem sido presos ao longo de toda a nossa história, geralmente por alegação de conduta imprópria. Os casais não podiam viver seu amor livremente, mas lhes era permitido certas liberalidades em lugares onde todo mundo sabia que eram frequentados por outras pessoas como eles. Geralmente praças no centro da cidade ou ruas fechadas, que durante o dia funcionavam estabelecimentos comerciais e à noite eram propícios para encontros dos que buscavam a mesma coisa.
Os ambientes retratados na minissérie e nos livros de história da homossexualidade no Brasil – em especial o olhar de João do Rio – lembram bastante os cabarés franceses e sobretudo alemães do período.
Lugares onde as mais variadas formas de expressão de sexualidade e de gênero conviviam com uma forte ebulição cultural, em animadas noites boêmias regadas a algumas drogas que hoje são ilícitas, mas que não eram à época. Todo este ambiente libertário e inspirador teve um fim brusco com o estouro da Segunda Guerra, principalmente na Alemanha, com a ascensão do regime e da hipocrisia nazista.
O mesmo se deu no Brasil, pois não podemos esquecer que, por bom tempo, Getúlio Vargas flertou com o nazismo, usando os integralistas na sua “limpeza” nacional e para apoiá-lo na sua ditadura até quando lhe foi conveniente. É bom ver retratada uma época tão bacana da história do nosso país, principalmente de rara tolerância com os LGBTs. Mas, repito, uma tolerância à brasileira.