“Lampião da Esquina”, um belo filme sobre o primeiro jornal LGBT do país
Sucesso nos anos 1980, Lampião da Esquina quebraria paradigmas ainda hoje
atualizado
Compartilhar notícia
Tem gente que acha que a imprensa gay no Brasil nasceu com as páginas da Katylene e do Hugo Gloss. Eu acreditava que ela havia nascido com as colunas “GLSs” nos jornais impressos após o advento da Aids. Mas o documentário “Lampião da Esquina” mostra que estamos todos errados.
O longa busca rememorar a primeira publicação, homônima do filme, inteiramente voltada para o público LGBT – sobretudo gays, diga-se de passagem. O jornal alcançou reconhecido sucesso, conquistando por um bom tempo até independência financeira (vitória inesperada devido às circunstâncias em que ele era lançado).
O jornal nasceu da reunião de jornalistas “viados”, como eles fazem questão de se apresentar ao longo de todo o filme. Pois a polícia os perseguia exatamente por esse motivo. Durante os interrogatórios o delegado perguntava:
– Como eu posso chamar o senhor?
– Pode chamar de viado mesmo – respondia bem afrontosa o escritor José Silvério Trevisan.
Na reunião de concepção do veículo também foi decidido o tom da escrita e todos acharam que o mais adequado era o do deboche. Se a sociedade já não achava a homossexualidade uma questão séria, não valeria a pena um jornal gay querer escrever como a imprensa careta que não lhes dava espaço. O negócio era escrachar.
Portanto, o pajubá e o dito humor gay nas colunas atuais vêm das primeiras publicações da temática que se tem registro. Como eu já escrevi aqui e torno a repetir: o movimento político LGBT é o único que tem a alegria como posicionamento das suas reivindicações. Por isso as suas marchas são verdadeiras festas e o joi de vivre é uma bandeira nossa.
Aliás, no documentário percebemos que nem a direita militar, nem a esquerda revolucionária, queriam segurar esta bandeira junto com esses qualiras. Quer dizer, a política tinha que ser feita por nós mesmo – não sei se é muito diferente do que vivemos hoje em dia.
Grandes personalidades da época passaram pelas páginas do Lampião. Ou escancarando a porta do armário, ou negando qualquer homossexualidade na cara dura, ou caindo nas piadas de duplo sentido, quem importava dava entrevista para o jornal e, com frequência, pagava pela ousadia.O filme nasceu durante uma aula do professor da Unicamp Noel Carvalho, que termina por assinar a codireção do documentário, e apesar de ter um ótimo conteúdo e uma estética linda, colorida e superengraçada.
Na equipe do filme também está o músico brasiliense PC Azeviche, que já foi tema da coluna. Azeviche assina a pesquisa musical para o filme e é responsável por várias pérolas que ficam rodando na sua cabeça depois quando o filme acaba.
Lampião da Esquina quebraria paradigmas ainda hoje. Se você olhar à sua volta, além de algumas colunas temáticas, que mídia de conteúdo e formato LGBT nós temos? Se o obscurantismo está crescendo também nos meios de comunicação, o melhor é relembrar o colorido do Lampião para nos inspirar.