Inferninho: filme cearense aborda existência queer de forma cativante
Longa dos diretores Guto Parente e Pedro Diógenes está em cartaz em vários cinemas do Brasil
atualizado
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Enquanto espero a chegada de Bacurau e A Vida Invisível de Eurídice Gusmão – filmes brasileiros premiados em Cannes –, fui ver Inferninho. Esta produção cearense de temática extremamente queer é cinema na maior acepção da palavra. O filme é fruto da junção de um coletivo de cinema (Alumbramento), de onde vêm os diretores, e um coletivo de teatro (Grupo Bagaceira).
Deusimar é dona do Inferninho, um bar na zona portuária que toca forró das antigas. No local, onde os clientes frequentam vestidos de cosplay de baixíssimo orçamento, pessoas chegam e partem várias vezes. O primeiro a chegar é o marinheiro Jarbas, trazendo em si o cheiro de mar e de problemas. Mas quem pode resistir a este cheiro?
Nem Deusimar resiste e assim começam a girar as engrenagens dos acontecimentos, até Inferninho estar no centro de uma transação comercial do estacionamento de um grande polo de entretenimento. E quem precisa decidir o destino do bar e de todos que ali estão é sua dona, Deusimar.
Aliás, precisamos falar de Deusimar. É dessas personagens que eu só visualizo três pessoas com talento suficiente para dar conta de sua personalidade: Fernanda Montenegro, Meryl Streep e Yuri Yamamoto. Para nossa sorte, um dos três é quem interpreta este papel. Deusimar é forte, sensível, ama, sofre, tem ciúmes, inseguranças, sonhos, gratidão e é inteligente a ponto de fazer duas coisas extraordinárias ao longo do filme.
Uma é encontrar talvez a solução mais engenhosa que já vi para o problema do interesse do governo na compra do Inferninho. Não é a solução mais vantajosa para si, mas é a que lhe dará exatamente o que ela quer e fará todos agirem como ela determinar. E sendo ela alguém que, erroneamente, julgam vulnerável, esta é uma enorme vitória sobre todos os sistemas que a oprimem.
A segunda foi aceitar humildemente o conselho de alguém que a ama e quer seu bem. Pessoas geniais, às vezes, ficam cegas e só acreditam em seus juízos e opiniões. Pois ela é ainda mais inteligente do que eles, admitindo que pode estar errada e que a pessoa está dizendo aquilo porque quer vê-la feliz. E todos nós temos uma dívida de felicidade para com nós mesmos.
O filme de Pedro Diógenes e Guto Parente é da mesma linhagem de grandes obras, como Caravaggio e Eduardo II, ambos dirigidos por Derek Jarman. Histórias marginais que se desenrolam entre paredes sujas e bebida barata, mas com tramas densas e personagens profundas que arrebatam nosso coração sem a gente explicar o porquê. Inferninho é tudo o que a gente imagina dele a partir do título e muito mais que uma existência queer pode nos dar e pode ser vista em diversos cinemas do país.
Quando acabou a sessão, o público aplaudiu com entusiasmo. Eu aplaudi junto. Claro, afinal, é o que se espera da audiência quando diante de um grande espetáculo. E saí da sala interpelando as pessoas, a dizer “isso é que é cinema”, “Cinema é isso”, interrompendo seus caminhos a repetir como um louco. Como um encantado.