Censura na Bienal: reação organizada mostra a resistência na prática
Da Justiça a Felipe Neto, manifestações e medidas contra ordem homofóbica do prefeito do Rio evidenciam alcance da arte e da diversidade
atualizado
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O prefeito de Rio de Janeiro fez um vídeo falando em boicotar um quadrinho em que dois caras se beijavam na feira Bienal do Livro. Esta ação desencadeou fortes reações: extremamente patéticas da parte de quem o apoiava e admiravelmente eficientes e organizadas por parte da resistência. E eu só consigo pensar em Bacurau!
O Rio passa, desde o começo do ano, um dos períodos mais caóticos da sua existência, tanto que seu prefeito teocrático quase sofreu impeachment. Tentando desviar o foco da trágica situação da saúde e da educação, ele resolveu fazer o tal vídeo denunciando o perigo que corriam as crianças – igual ao presidente ao fazer comentários sobre Bachelet e Brigitte Macron.
Não demorou para que ele fosse denunciado por censura e desrespeito ao artigo 5º da Constituição Federal. Não satisfeito, o bufo pastor decidiu mandar fiscais ao evento recolherem todo e qualquer livro de matéria imprópria – leia-se de qualquer temática LGBT. E aqui entra uma importante e controversa personagem, o youtuber Felipe Neto. Ele resolveu comprar todos os livros com histórias ou personagens LGBTs.
Comprou 14 mil livros e anunciou que os distribuiria gratuitamente na própria Bienal no dia seguinte para quem quisesse. Os livros foram distribuídos enrolados em plástico preto e com adesivo dizendo “este livro é impróprio”, como era feito no tempo da ditadura militar. No sábado (07/09/2019), o prefeito trapalhão ainda enviou 20 homens para recolherem os livros, mas o povo se organizou direitinho e realizou a doação de modo eficiente a terminar antes que os trogloditas chegassem. No fim, o que aconteceu foram 20 baratas tontas em um lugar onde havia crianças e adolescentes cercadas de livros.
“Não vai ter censura”, gritam manifestantes na Bienal do Livro do Rio. Na sequência, leram o artigo 5º da Constituição Federal. pic.twitter.com/iMXlGMlpmV
— Victor Ferreira (@VictorFerreira) September 7, 2019
A ação de Felipe Neto foi extremamente elogiada, mas não sem ressalvas, pois, em seu canal, ele já emitiu opiniões extremamente estúpidas sobre a questão LGBT. Mas, sobre ele, repito as palavras de uma moça no Twitter: “Felipe Neto, se algum dia critiquei, provavelmente eu estava certo, mas que ele está fazendo um belo trabalho para rever seu passado, isso ele está”.
O que realmente importa é isso: fazer antigos homofóbicos se sensibilizarem a ponto de se tornarem simpáticos ao que é justo e não que sejam fuzilados em praça pública, afinal, precisamos acreditar que pessoas podem se tornar melhores do que são, pois sem esse sentimento, perdem sentido os livros.
Estou completamente arrepiado.
Público saindo da Bienal com o livro LGBT em mãos e protestando contra os agentes da censura que estão lá nesse momento.
Isso é resistir!!! pic.twitter.com/O5NdXfTBVZ
— Felipe Neto (@felipeneto) September 7, 2019
Em relação a este cristianismo maligno que tantos tentam usar para justificar seus atos de violência, mais uma vez recorro ao Twitter: “Nunca esqueça o que Jesus diz sobre gays no Novo Testamento: nada.”
Ainda aconteceu uma batalha judicial sobre a questão. Um desembargador deu liminar corretamente proibindo o prefeito de recolher o material, por ferir os princípios da Constituição brasileira, mas o presidente do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro derrubou-a autorizando a ação. No domingo (08/09/2019), o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, terminou cassando a decisão do presidente do TJRJ a pedido da Procuradora-Geral da República, Raquel Dodge. Pelo menos nesta situação, prevaleceu a Justiça (com j maiúsculo) em detrimento de quem erroneamente exerce o poder.
E para falar de poder nas últimas semanas, é preciso citar Bacurau. O diretor Kleber Mendonça Filho disse em uma entrevista que queria fazer seu filme sobre uma comunidade que é atacada violentamente sem qualquer precedente. As pessoas na Bienal do Livro mostraram como é que se reage a este ataque, acredito que, não por coincidência, inspiradas pelo que passa na tela de cinema, pois mesmo que não tenham visto, o longa retrata o que está todo mundo sentindo e talvez não tenha dito ainda.
Esta é a Arte que os políticos do nosso país não querem ver chegar às crianças. Criança que lê não tem medo de monstros de papel e tem mais chance de abraçar o real sentimento cristão, ou minimamente humano. O dos direitos humanos.
Especial
A Amazon liberou para baixar gratuitamente vários títulos com tema LGBTI+ na sua plataforma. A ação vai até o dia 10 de setembro. Não precisa ter um Kindle para baixar, basta baixar o aplicativo e pronto! Boa leitura.