Carnaval é o período em que as pessoas botam para fora os desejos mais reprimidos
É nesse momento que muitos excessos são compreensíveis e aceitáveis
atualizado
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Todo mundo sabe que o carnaval é o período que muita gente usa para botar para fora seus desejos mais reprimidos, dentre eles os sexuais e de gênero. Curioso que justamente numa época de vestir máscaras e fantasias, algumas pessoas aproveitam para tirarem as máscaras e escancararem suas verdades, mas justificando que tudo não passa de brincadeira.
Em “Devassos no Paraíso”, José Silvério Trevisan dedica um capítulo muito especial ao significado de “travestir-se” nessa festa tão popular no Brasil – popular a ponto de, algumas vezes, ser tratada como sinônimo de ser brasileiro.
O autor fala do mito de Carmem Miranda (que vestiu a máscara de Brasil e vendeu para o mundo inteiro a imagem da baiana), tornando-se referência para travestis e drag queens até hoje em todo o planeta. Também cita esse costume tão comum dos homens se vestirem de mulher, e aqui vale lembrar que dois dos blocos carnavalescos mais tradicionais de Brasília são inspirados nesta, digamos, atitude: As Virgens da Asa Norte e o Babydoll de Nylon.
As Virgens é eminentemente um bloco para os homens se fantasiarem de mulher e é mega tradicional em quase todas as cidades do país que tenham alguma movimentação carnavalesca.
A folia de Momo tem, dentre outras influências, uma forte proximidade com a Folia de Reis na sua antiga acepção, em que tudo deveria estar ao contrário. Por isso, o Rei Momo é um homem gordo, beberrão e até mesmo feio ou deformado, como o Quasímodo de “O Corcunda de Notre Dame”, ou seja, o total oposto do que se espera da realeza.
É nesse momento que o pobre se veste da forma mais rica, que o sério usa as roupas mais coloridas, que a pudica faz as coreografias mais ousadas e que muitos excessos são compreensíveis. Este é um tempo em que se louvam os vícios e se afugentam virtudes.
Quatro dias concedidos pela Igreja para aguentar o sacrifício da quaresma que lhe segue. Hoje em dia, pouco restou dessas ideias que justificavam o carnaval, mas o louco e o encoberto ainda são as molas propulsoras das máscaras.
A prática sexual diferente da heterossexual encontrava nestes dias um campo mais livre para ser exercida, mas ainda sob a capa da “fantasia”, da “brincadeira”.
“Nada daquilo era real”, “o cara beijou o amigo porque eles estavam fantasiados de casal”. Ou seja, mais uma vez a homo/bi/transssexualidade só é tolerada no campo do faz de conta. Quando é rompido o plano da fantasia, paravam a brincadeira e aquele que não sabia brincar era expulso da folia (vide meu texto da semana passada).
Um exemplo perfeito da incoerência que estou falando está no capítulo já citado de Devassos. O autor nos fala da regra de um determinado clube militar que consistia em permitir que os sócios se fantasiassem de mulher nos bailes de carnaval, mas se o mesmo assumisse um comportamento verdadeiramente homossexual, ele seria proibido de estar ali e convidado a se retirar. Agora vocês imaginem a confusão que devia ser na cabeça do soldado responsável por ficar de olho para dedurar quem estava desmunhecando de verdade e quem estava só sendo fiel à fantasia…
Mas, se a gente bem pensar, a pessoa, que no seu íntimo se identifica com o gênero ou sexualidade diferente do seu atual, vive uma farsa e usa sua máscara todos os dias da sua vida.
Quando chega o carnaval, finalmente pode agir com liberdade quanto ao seu modo de ser. A máscara da máscara, ou o avesso do avesso, é a verdade, não?
Então, para estas pessoas, o carnaval é a festa da fantasia ou a festa da verdade?
No fim, parece que a grande verdade, é a da marchinha do Caetano que diz:
Atrás do trio elétrico
Só não vai quem já morreu
Quem já botou pra rachar
Aprendeu, que é do outro lado
Do lado de lá do lado
Que é lá do lado de lá!