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Além do Bolsonaro. Ellen Page explora as culturas LGBT no Gaycation

A repercussão do documentário da Viceland focou na entrevista com o Jair Bolsonaro, mas o longa tem muito mais do que isso

atualizado

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Reprodução/Youtube
Ellen Page Gaycation
1 de 1 Ellen Page Gaycation - Foto: Reprodução/Youtube

É incrível que, em um documentário apresentado pela atriz lésbica Ellen Page sobre ser LGBT no Brasil, o maior destaque nas redes sociais tenha sido para o deputado Jair Bolsonaro. Ele é a parte mais sem graça de todo o programa que é interessantíssimo.

O canal americano Viceland produziu a série “Gaycation” com quatro episódios, apresentados por Ellen e seu amigo Ian Daniel, com o objetivo de investigar o que é ser queer em alguns lugares do mundo – Japão, Brasil, Jamaica e EUA. No primeiro episódio, Japão, Ellen mostra várias curiosidades acerca da cultura japonesa e como esses costumes ajudam ou atrapalham na aceitação dos LGBTs no país.

Ela fala com políticos que defendem o direito a sair do armário, um casal de advogados gays que defendem outros casais e a cultura dos yaois — mangás com temática de amor entre garotos, também chamado de Love Boys, ou LB. Curiosamente são quadrinhos criados por mulheres heterossexuais voltado para mulheres heterossexuais, o público alvo não é o gay.

É hilária a cena de Ellen e Ian indo a um karaokê, depois de comprar o audiobook de um yaoi, e o ouvindo com duas fãs do gênero.

No Brasil, isso tudo estaria nas bancas classificada como pornografia, mas parece que no Japão o objetivo é outro. É só um gênero literário que, por conta do tabu social de não ser falado abertamente, se torna atraente de ler, como o desnudar de um mundo desconhecido para elas.

Cada país é um país
Apesar de toda boa vontade de Ellen e Ian em apresentar as características de cada país, eles não conseguem disfarçar o estranhamento no que difere da cultura norte-americana e esse é um defeito do programa. Por exemplo, Ellen se esforça, mas sempre expõe sua perplexidade diante do fato de que no Japão há empresas para você alugar um amigo e que estas estão crescendo com a procura de homossexuais que os contratam para estarem ao lado deles quando vão sair do armário para a família ou no trabalho.

Mesmo mostrando uma situação dessas em que o “amigo de aluguel” faz toda a diferença no sucesso do anúncio, Ellen se mostra desconfortável e descrente e isso não é legal. Nós vemos ela julgando os costumes de um país, o que pode ser interessante quando ela faz nos outros países.

Acontece que o segundo episódio é sobre o Brasil e ela faz a mesma coisa, mas com um inesperado diferencial: o Brasil não é um país para principiantes.

Se no programa sobre o Japão, uma cultura muito reservada, Ellen e Ian estiveram o tempo todo protegidos a ver apenas o que buscaram ver, no Brasil eles foram tragados e expostos a muita coisa que eles não estavam preparados para ver. A primeira cena é numa praia e eles se chocam com os “corpos nus”, sungas e biquínis marcando completamente as curvas e formas e aflora um puritanismo norte-americano que os leva a conclusões apressadas.

O carnaval os faz pensar que nosso país é uma festa livre e a informação de que estamos na ponta da legislação pró-LGBT na América Latina só confirma essa sensação. No entanto, em seguida, é dito que o Brasil é o país que mais mata travestis e transexuais no mundo e a incompreensão se instala na expressão dos apresentadores.

O trajeto do episódio é igual ao passeio de barco na fábrica de Willy Wonka. É maravilhoso e aterrorizador ao mesmo tempo. A equipe de filmagem fica bêbada, Ellen cai no samba e várias mulheres tentam ficar com ela. Ela se sente extremamente eufórica ao mesmo tempo que entrevista as frequentadoras do bar Buteskina, no Rio de Janeiro, e elas lhe contam do medo do que pode acontecer ao sair na rua e serem mais carinhosas com suas companheiras. Ellen acha ilógico essas situações conviverem tão próximas uma da outra, mas ela já está bêbada demais para refletir sobre o assunto e o ritmo da música já tomou seu corpo.

Divulgação/Viceland

 

Os verdadeiros nomes do episódio, quem realmente traz algo novo até mesmo para nós brasileiros:

  • é Luana Muniz, travesti que criou uma organização para proteger outras que se prostituem na Lapa
  • é a modelo e atriz trans Carol Marra; são a mãe e o namorado de Tom, rapaz que foi tragicamente assassinado por homofobia;
  • e até mesmo o policial que assume ser um assassino de homossexuais.

Este último é de arrepiar ao mesmo tempo que é importantíssimo que seja visto, pois é o ódio aos LGBTs no estado mais puro.

Ellen não estava pronta para o Brasil. Ela chora várias vezes e, em muitos outros, apenas se cala. Não sabe o que falar, assim como nós quase todos os dias em nossas vidas. Só espero que ela tenha ido para a Jamaica depois de ter passado por aqui, pois tenho certeza que ela aprendeu lições importantíssimas sobre como se portar diante de uma cultura diferente da sua e isso deixaria o programa ainda melhor.

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