“Sempre ouvia gritos”, diz vizinho de assassino de mulher na Asa Norte
Casal vivia uma relação conturbada. Acusado ainda disparou contra o próprio filho, que permanece internado em estado grave
atualizado
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“O casal discutia demais e a gente sempre ouvia gritos”. A narrativa de um morador do Bloco E da Quadra 316 Norte confirma que o assassinato de Diva Maria Maia da Silva, 69 anos, era uma tragédia anunciada. O autor da violência doméstica foi o próprio marido, o vendedor de carros Ranulfo do Carmo, 74. Como enredo que se repete com frequência, o opressor não foi denunciado, tornou-se mais truculento e acabou tirando a vida da companheira a tiros
O crime ocorreu na manhã de segunda-feira (28/1). Além do assassinato da companheira, o idoso ainda atirou contra o filho Regis do Carmo Correia Maia, 47, que se encontra internado em estado grave no Instituto Hospital de Base (IHB). Das cinco balas disparadas, três acertaram o tórax de Regis.
O relacionamento abusivo do casal estava ao alcance dos ouvidos da rua. Vizinhos, porteiros e mesmo pessoas que passavam por debaixo do prédio testemunhavam os gritos de Ranulfo contra a esposa.
O morador, que pediu para ter o nome preservado, contou ao Metrópoles que o vendedor se passava por um homem acima de qualquer suspeita. Fora do ambiente familiar, era cordial com os vizinhos e funcionários do prédio. Costumava viajar até Goiânia, onde comprava carros usados para revender em Brasília. Na última visita à capital goiana, há menos de um mês, voltou com três automóveis.
A relação conturbada, conforme contou o morador que há mais de 20 anos reside no Bloco E, também se estendia aos filhos. O mais velho, Regis, costumava ir ao apartamento para proteger a mãe da violência do pai. A caçula passou a evitar o local após os recorrentes episódios de violência.
“Uma vez ele me perguntou se eu tinha arma em casa. Eu achei aquela conversa meio esquisita e questionei por que ele estava me perguntando aquilo. Ele desconversou e disse: é perigoso demais: se você tiver, vende essa p…”, contou o morador.
Tatiane Martinele, vizinha do casal, confirmou que os dois já não tinham mais um relacionamento. “Eles moravam sob o mesmo teto por necessidade dela. A vida inteira ele espancou ela. Estava sempre com o olho roxo, o braço machucado”, destacou.
Parentes da família estiveram no HB nessa segunda-feira (28) em busca de notícias sobre o quadro de saúde de Regis. Ele permanece na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do hospital em estado grave.
Recarregou a arma
Ranulfo usou uma arma roubada para matar a esposa e ferir o filho. Segundo investigadores da 2ª Delegacia de Polícia (Asa Norte), após atingir Regis, o suspeito foi ao quarto e recarregou o revólver calibre .38 para tirar a vida da companheira.
Em coletiva na 2ª DP, o titular da unidade, delegado Laércio Rosseto, disse que o idoso pode ter premeditado o crime. “O revólver teria munição para até seis disparos, o que demonstra que ele teria recarregado”, frisou.
Os policiais descobriram que o revólver usado para consumar a tragédia é registrado em Mato Grosso. Como não tem autorização, Ranulfo também responderá por posse ilegal de arma de fogo.
Aos policiais, o acusado alegou que a discussão foi motivada por um suposto relacionamento extraconjugal da vítima com um zelador. No entanto, a narrativa não foi considerada pelos investigadores. Vizinhos ouvidos também descartaram a versão.
A mulher e o filho haviam voltado de Goiânia (GO) na manhã dessa segunda (28). Já no apartamento, os três tiveram uma discussão acalorada. Ranulfo justificou ter “perdido a cabeça”.
Imagens do circuito interno do prédio onde o casal morava mostram Diva Maria e o filho chegando ao edifício por volta das 10h.
Veja no vídeo abaixo:
O assassino chega 17 minutos depois e sobe. Alguns minutos depois, sai do apartamento tranquilamente e entra no veículo usado para fuga. De acordo com o delegado-chefe Laércio Rosseto, Ranulfo tentaria se esconder no Gama, mas foi preso em seu Cross Fox branco na altura da Quadra 8 do Park Way por uma equipe da Polícia Militar do Distrito Federal (PMDF) que patrulhava a região em um helicóptero.
Assista ao momento da prisão:
Os vizinhos contaram que ouviram muitos tiros. “Parecia um monte de balão estourando. Na hora, não sabia que era tiro”, disse uma mulher que pediu para não ter o nome divulgado. Um dos porteiros acionou a PM. De acordo com ele, foram vários estampidos: “O som era muito alto”.
Feminicídios no DF
No Distrito Federal, foram registrados 519 casos de violência contra a mulher neste ano (dados até o dia 19/1). Em 2018, 27 mulheres morreram vítimas de feminicídio.
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.
Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras. (Colaborou Rebeca Borges)