Nove minutos de terror: testemunha filma duplo assassinato no DF
O militar da reserva Juenil Bonfim matou a esposa, Francisca Naídde, e Francisco de Assis, 41, companheiro de Marcelo, que conseguiu fugir
atualizado
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O duplo homicídio ocorrido na noite dessa quarta-feira (12/06/2019) em um apartamento no Cruzeiro Novo foi gravado pela única testemunha ocular dos crimes. Em quase nove minutos de filmagem, a câmera do celular não capta imagens do momento dos crimes, mas é possível escutar toda a ação. A sensação de terror é crescente até chegar à barbárie, quando o sargento aposentado da Aeronáutica Juenil Bonfim de Queiroz, 56 anos, atira na cabeça de Francisco de Assis Pereira da Silva, 41, e contra a própria mulher, Francisca Naídde de Oliveira Queiroz, 58.
O vídeo foi captado pelo celular de Marcelo Soares Brito, 40 anos, namorado de Francisco. O crime ocorreu no Bloco G da Quadra 1405, próximo ao terminal rodoviário da cidade.
Veja vídeos:
O sargento da Aeronáutica acusado de cometer duplo homicídio no Cruzeiro Novo debochou das vítimas após o crime. Depois de atirar e matar a esposa e Francisco, ele teria dito a Marcelo: “Tá vendo o que acontece com homem que mexe com mulher casada?”.
O relato também está descrito na ata da audiência de custódia que converteu a prisão de Juenil Bonfim de temporária para preventiva. Ao decretar a manutenção do militar da Força Aérea Brasileira (FAB) detido por tempo indeterminado, a juíza da 11ª Vara do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) escreveu: “O fato é grave e revela a elevada periculosidade do autuado, que demonstrou notória frieza ao deixar o local dos fatos e calmamente se dirigir à área comum do prédio, onde permaneceu esperando a polícia”.
Um dia após o crime, o clima era de comoção e perplexidade no edifício onde ocorreram os assassinatos, o Bloco G da Quadra 1405 da região administrativa. Vizinhos e parentes tentavam entender por que o sargento decidiu abrir fogo contra Francisca e Francisco de Assis Pereira da Silva.
Abalada, a corretora de imóveis Marilene Macedo, 42, diz que a amiga Francisca era agredida constantemente por Juenil. “Ela já tinha pedido socorro. Nos encontramos no mercado e ela me contou que o casamento não estava indo bem, que o esposo estava agressivo. Ele é um homem obcecado e ciumento”, relata.
Conforme explicou Marilene, Francisca e Queiroz eram casados havia 32 anos e tiveram dois filhos. “Ela era uma mãe guerreira, que fazia crochê para pagar a faculdade da filha. Uma pessoa íntegra.” A mulher foi a 15ª vítima de feminicídio no DF em 2019.
Queiroz, por sua vez, teria sido pastor no ano de 2008, em uma igreja do Guará. A filha deles, segundo Marilene, mora no Nordeste e viria para o Distrito Federal após saber da tragédia que chocou a família.
Até a noite desta quinta-feira, não havia definição sobre o sepultamento das vítimas. Francisco é natural de Teresina (PI). Já Francisca, natural de Martins (RN), tem uma filha que mora em Recife (PE) e ainda não havia chegado a Brasília para resolver os trâmites burocráticos.
Terror
A prima de Marcelo, que não quis se identificar, presenciou os momentos de terror antes do crime. De acordo com o relato da mulher, Marcelo e Francisco estavam juntos há cerca de cinco anos. Nunca teria havido desentendimento entre o casal e o sargento acusado de feminicídio e homicídio, segundo a testemunha.
“Marcelo e Francisco vieram aqui para pegar um notebook, e ficamos conversando na parte debaixo do prédio. Nesse meio-tempo, o sargento chegou com a esposa. Ele estava muito nervoso e agitado. Subiu rapidamente, depois desceu armado e chamando o Francisco para subir.”
Insultando Francisco, o militar teria dito a ele: “Sobe agora, que eu vou te mostrar o que é um homem”. Diante das ameaças, Marcelo, Francisco e o sargento subiram juntos para o apartamento. “Nós chamamos a polícia nesse meio-tempo, mas não deu nem sete minutos e Marcelo desceu correndo, fugindo do sargento, que também correu atrás dele”, relata. “O Marcelo está péssimo. Ele viu o Francisco morrer de joelhos.”
Depoimento
Preso em flagrante após o duplo homicídio, Juenil Bonfim de Queiroz narrou, em depoimento, detalhes sobre a motivação e como agiu logo após cometer o crime.
De acordo com o depoimento do ex-militar, ao qual o Metrópoles teve acesso, ele e Francisca estavam casados há 32 anos. Em 2017, contou, teria descoberto que sua mulher mantinha um relacionamento amoroso com Francisco, então vizinho do casal. Juenil relatou que, após descobrir a suposta traição, teria conversado com Francisca e também avisado aos dois filhos o que estava ocorrendo. “Perante a família, ela [Francisca] prometeu não se relacionar mais com aquele homem”, contou o sargento em seu termo de declaração.
No entanto, de acordo com Juenil, em dezembro de 2018, ele teria tomado conhecimento de que Francisca continuaria a se encontrar com o vizinho, e por esse motivo teria voltado a discutir com sua esposa. Naquela ocasião, o sargento teria tomado o celular da mulher e jogado no chão. Logo depois da briga, Francisca registrou boletim de ocorrência contra o marido. A Justiça decretou a aplicação de medida protetiva, e Juenil foi obrigado a deixar o apartamento em que o casal vivia. No mesmo período, Francisca também saiu do imóvel, para morar com a filha.
Reconciliação
Ainda segundo os relatos de Juenil, após 45 dias o casal retomou conversas e reatou o relacionamento, voltando a viver no apartamento do Cruzeiro. Já em abril deste ano, o sargento contou ter ficado sabendo que a mulher tinha voltado a se envolver com Francisco, depois de, supostamente, flagrar um diálogo entre ela e o vizinho em “clima de romance”. “Na ocasião, interpelei Francisca, lembrando a ela o compromisso que fizemos de que ela não se relacionaria mais com Francisco”, disse, em depoimento.
O sargento relevou também que, em determinado momento, a mulher teria confessado a ele que se encontrava com Francisco nos estacionamentos próximos ao prédio onde viviam. O ex-militar narrou aos policiais detalhes do que ocorreu no dia do crime. Juenil contou que, na manhã de quarta (12/06/2019), estava na companhia de Francisca, e ambos foram até a casa do filho, na Asa Sul, para comemorarem o Dia dos Namorados. Por volta das 19h10, o casal deixou o local e retornou ao prédio do Cruzeiro. Ao chegarem ao edifício, encontraram Francisco, que estava na companhia das irmãs e de seu companheiro.
Quando se encontraram no pilotis do prédio, o ex-militar contou que Francisca teria pedido para que ele convidasse Francisco para subir, a fim de que os três conversassem sobre a situação. Ainda de acordo com Juenil, Francisco teria aceitado o convite, e todos foram até o apartamento. Marcelo, companheiro de Francisco, também teria subido.
Descontrole
Dentro do imóvel, Juenil teria discutido com Francisca e o suposto amante, determinando que ambos contassem sobre o relacionamento. Os dois negaram que tivessem qualquer envolvimento amoroso. O ex-militar relatou ter se descontrolado, ido até o quarto e pegado uma pistola calibre .380. Ele abriu fogo contra Francisco, atingido por pelo menos dois disparos, um deles na cabeça. Em seguida, o sargento atirou na mulher. Assustado, Marcelo correu e conseguiu escapar.
O ex-militar disse que, após atirar, desceu e ficou embaixo do bloco, aguardando a chegada da polícia. Juenil foi preso em flagrante e responderá por duplo homicídio qualificado por motivo torpe e impossibilidade de defesa da vítima.
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.
Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.