Metrópoles participa de ação contra feminicídio em escola pública
Iniciativa reuniu debates, música e arte para mostrar aos estudantes do CEF 619 de Samambaia como combater o machismo e a violência
atualizado
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Estudiosos e especialistas no fenômeno da violência contra a mulher são unânimes em afirmar: a prevenção do problema precisa começar nas escolas. As crianças e adolescentes que crescem em lares violentos tendem a repetir o comportamento agressivo e o ambiente escolar é um dos lugares mais propícios para quebrar esse ciclo. Como parte da Semana Educação para a Vida, a Secretaria de Educação (SEE) do Distrito Federal, em parceria com a Secretaria de Justiça e Cidadania, decidiu debater o assunto nas escolas.
Janaína Andréa Almeida, chefe da Assessoria Especial do Gabinete da SEE, afirma que o aumento dos casos de feminicídio na capital é preocupante. Neste momento, o envolvimento da comunidade escolar nesse debate pode ajudar a reduzir a quantidade de tragédias. “A escola tem uma função social e uma responsabilidade enorme quanto à violência contra a mulher e não pode ser um local dissociado da realidade, porque formamos o cidadão para o mundo”, enfatizou Janaína.
Nesta semana, estão programados três encontros com estudantes, mas o projeto para debater feminicídio seguirá ao longo do ano. O primeiro ocorreu nessa terça-feira (07/05/2019) no CEF 619, em Samambaia. O evento começou com apresentações de estudantes do grupo Conexão, com poesia e música, e do Coral Evolução, que cantou enquanto dois estudantes encenavam uma situação de violência doméstica. Em seguida, foi formada uma roda de conversa com a editora-executiva do Metrópoles, Priscilla Borges, a juíza Fabriziane Zapata, do Núcleo Judiciário da Mulher, e a advogada Lucia Bessa.
A editora-executiva do portal apresentou a campanha editorial Elas por Elas, que se propõe a contar as histórias de vida de todas as vítimas de feminicídios registrados no DF neste ano. O material, elaborado com sensibilidade, pretende ir além de relatar os crimes e suas consequências. Com as reportagens, o Metrópoles quer revelar os contextos em que viviam essas mulheres, descortinando situações de violência doméstica e ainda mostrar como a sociedade pode romper esses ciclos. Iniciado em janeiro de 2019, o projeto também expõe um “placar da vergonha” na capa do portal, onde são atualizados semanalmente os casos de agressões cometidas contra mulheres no DF.
Priscilla Borges lembrou que o Metrópoles é comandado por mulheres — e isso muda a perspectiva sobre a notícia. “Não é que tenhamos mais mulheres trabalhando, mas elas estão em posições de chefia, o que faz muita diferença. Naturalmente, nossa perspectiva para essas questões é outra. Só nós, mulheres, sabemos o que passamos”, explica.
Noticiar apenas o crime, segundo Priscilla, é insuficiente para criar empatia com os leitores. “Essas vítimas poderiam ser nossas mães, avós, irmãs, filhas e tias. Perceber isso pode nos ajudar a enxergar como vivemos em uma sociedade machista e como precisamos romper esses ciclos de violência.”
A juíza Fabriziane, que já foi entrevistada para o Elas por Elas, elogiou a iniciativa. “Estamos acostumados a ver todos os dias mais uma tragédia, mais um feminicídio, mais uma mulher que morreu. O Metrópoles tem feito uma série de entrevistas com autoridades no assunto para explicar o que é a violência contra a mulher, e o que há por trás. Tenho certeza que todos os dias salvamos muitas mulheres no Distrito Federal”, afirmou.
A violência
A magistrada conta que, apesar do número alarmante de casos de violência contra a mulher, o Distrito Federal é referência no Brasil quando se fala de enfrentamento. E ações como essa, dentro das escolas, são essenciais para continuar diminuindo o número de casos. “Aqui é o lugar que precisamos estar para mudar a percepção do que é a violência contra a mulher”, afirma.
Lucia Bessa, diretora de Gênero do Fórum de Mulheres do Mercosul, contou sua experiência enquanto adolescente em um ambiente violento. “Papai corria com uma foice atrás de mamãe, nós batíamos nas casas da família e ninguém abria a porta. Era uma época de ’em briga de marido e mulher não se mete a colher'”, lembra.
“Na minha cabeça, aquilo era natural, era normal. Eu via minha mãe apanhar, entendia que eu também tinha que apanhar. Levei toda essa violência para os ambientes em que eu vivia”, conta. Foi só na escola, com a ajuda de um professor, que ela percebeu ser possível sair desse ciclo. Hoje, Lucia se dedica a apoiar outras mulheres.
Símbolo artístico
Durante o evento, os alunos do CEF 619 ganharam um presente: a convite do Metrópoles, a artista brasiliense Siren grafitou uma homenagem às mulheres na entrada da escola. A iniciativa faz parte do projeto Elas por Elas, que promoverá intervenções artísticas na cidade, para reforçar a campanha contra do feminicídio. Diariamente, a comunidade escolar se lembrará, ao ver o muro grafitado, que o combate ao machismo e à violência contra a mulher exige a colaboração de todos.
“Esse projeto é ótimo para a escola. Os meninos se sentem importantes, ganham conhecimento e podem aplicar isso no dia a dia. Muitos desses alunos, com certeza, sofrem esse tipo de violência dentro de casa”, afirma a diretora do CEF 619, Alice Macera.
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.
Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.