João de Deus: MP ouve ativistas sobre denúncia de tráfico de bebês
Força-tarefa do Ministério Público de Goiás (MPGO) colheu os depoimentos de Sabrina Bittencourt e Maria do Carmo
atualizado
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As promotoras Patrícia Otoni e Gabriella de Queiroz, da força-tarefa do Ministério Público de Goiás (MPDO), que investiga crimes cometidos pelo médium João de Deus, colheram nesta semana depoimentos das ativistas de direitos humanos Sabrina Bittencourt e Maria do Carmo. Também participou do ato, a delegada Karla Fernandes Guimarães, da força-tarefa da Polícia Civil.
As ativistas foram ouvidas após relatarem ter conhecimento de possíveis crimes praticados pelo investigado, entre eles o de tráfico internacional de crianças. O depoimento de Sabrina Bittencourt teve início na tarde desta terça-feira e terá continuidade na quarta-feira (9/1).
Assim que concluídos, os relatos serão analisados e receberão os encaminhamentos cabíveis, inclusive com possível remessa ao Ministério Público Federal (MPF). “Os fatos narrados serão tratados com a mesma seriedade e celeridade dispensadas aos demais casos já denunciados e em apuração pelo Ministério Público”, afirmou a promotora Patrícia Otoni.
A força-tarefa do MPGO foi instituída pelo procurador-geral de Justiça de Goiás, Benedito Torres Neto, no último dia 10 de dezembro, e é responsável pelo atendimento às vítimas de abuso sexual e investigação dos crimes cometidos por João de Deus.
Confira o vídeo:
A promotora Gabriela Mansur, do MPSP, disse ao Metrópoles que a ativista apresentou conteúdo relevante sobre o caso e afirmou que as informações serão investigadas pelas autoridades competentes. Como há menção a estrangeiros e a fatos ocorridos em outros países, há possibilidade de que a Polícia Federal seja acionada.
“Foi uma oitiva informal. Ela apresentou alguns fatos, alguns nomes, algumas provas. Tudo isso será encaminhado para os órgãos competentes. Tudo vai ser apurado”, afirmou a promotora.
Segundo Sabrina, foram recolhidos vários relatos de mães adotivas, de países europeus, dos Estados Unidos e da Austrália. Os bebês teriam sido comprados por “20 mil e 50 mil dólares”. A venda era “intermediada por guias turísticas espirituais, ex-funcionárias e cidadãos de Abadiânia que já estão fartos de serem coniventes, de forma coagida, com a quadrilha de João de Deus”, conta a ativista.
Ela conta que também há mulheres que são utilizadas como escravas sexuais. “Em geral, mulheres negras de baixa renda, tanto em Abadiânia quanto em Anápolis e no norte de Minas, que viviam próximo dos garimpos ilegais de João de Deus”. Sabrina afirma que, em troca de comida para suas crianças, as mulheres eram forçadas a engravidar, para que os bebês fossem vendidos no mercado negro de outros países.
Procurado pela reportagem para comentar as denúncias, o advogado de João de Deus, Alberto Toron, disse que “são acusações gravíssimas, porém, além de inverossímeis, desacompanhadas de qualquer prova”. “Assim, não merecem sequer consideração, a não ser, é claro, no que diz com a propositura de uma ação penal para apuração de crimes contra a honra”, finalizou.
Habeas corpus
A defesa de João de Deus protocolou uma petição nesse domingo (6/1) contestando o parecer da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, no pedido de habeas corpus feito ao Supremo Tribunal Federal (STF). No sábado (5), Dodge reiterou seu posicionamento contra a prisão domiciliar solicitada pelos advogados, que consideram a prisão preventiva do cliente “desnecessária”.
João de Deus está preso no Complexo Prisional de Aparecida de Goiânia (GO). O pedido de uma nova manifestação da PGR foi feito pelo presidente do STF, Dias Toffoli, depois que o Tribunal de Justiça de Goiás (TJGO) apresentou informações sobre o estado de saúde do médium. Está nas mãos dele a decisão sobre o pedido feito em favor do líder espiritual.
No dia 21, a Justiça determinou mais uma prisão, dessa vez por posse ilegal de arma de fogo, mas o TJGO concedeu habeas corpus liminar ao acusado pelo crime. O juiz substituto Wilson Safatle Faiad ressaltou “questões humanitárias” e reforçou que o réu é idoso e está debilitado por motivo de várias doenças graves.
Denúncia
O Ministério Público de Goiás apresentou à Justiça, no dia 28 de dezembro, a primeira denúncia contra João Teixeira de Faria.
A acusação do MPGO foi feita com base em quatro casos relatados entre abril e outubro deste ano, sendo dois por violação sexual e dois por estupro de vulnerável.
Outros 10 relatos, que prescreveram, são descritos no documento para ajudar a comprovar o modo de agir do médium. Cinco vítimas também constam da denúncia, mas os depoimentos delas precisam de diligências para serem confirmados.
O médium prestou o primeiro depoimento no MP no dia 26 de dezembro. Ele afirmou que não se lembra das mulheres que o acusam de violência sexual, uma vez que atendia aproximadamente 1,5 mil pessoas por sessão. Também negou ter praticado qualquer tipo de abuso contra suas seguidoras, segundo o advogado Alberto Toron.
Bloqueio de bens
O Tribunal de Justiça de Goiás determinou o bloqueio de R$ 50 milhões em bens do médium. A decisão tem o objetivo de garantir eventuais indenizações. O dinheiro será usado para reparação das vítimas, caso o líder espiritual seja condenado por abusar sexualmente das denunciantes, bem como para evitar ocultação e dilapidação patrimonial.
De todo o valor bloqueado, R$ 20 milhões estariam destinados às mulheres, e R$ 30 milhões iriam para danos morais e coletivos. A medida cautelar foi assinada pela juíza Marli de Fátima Naves e determina que sejam bloqueados os veículos e imóveis não apenas do médium mas também da Casa Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia. (Com informações do MPGO)
Durante 2019, o Metrópoles se dedicará a escrever todas as trajetórias de vida das mulheres que vão sangrar enlaçadas em relacionamentos nocivos. O olhar feminino e sensível das profissionais envolvidas no projeto irão humanizar as estatísticas frias, incapazes de criar empatia. Só ela pode interromper a indiferença diante das agressões à mulher. Um contador em destaque na capa do portal marca diariamente esses casos a fim de lembrar que há um longo caminho para acabar com esse ciclo de violência.