Irmã sobre mulher morta com ácido: “Queria lutar contra o feminicídio”
Cácia Regina, 47, foi sepultada nesta sexta-feira (10/05/2019). Ela é a 11ª vítima de feminicídio no DF este ano
atualizado
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Entoando cantos religiosos e orações, amigos e familiares compareceram na manhã desta sexta-feira (10/05/2019) ao sepultamento de Cácia Regina Pereira da Silva, 47 anos (foto em destaque). Vítima de um crime brutal, ela ficou 14 dias internada no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) após o ex-marido invadir a casa onde morava e jogar ácido sulfúrico em seu rosto.
Às 6h dessa quinta-feira (09/05/2019), Cácia se tornou a 11ª mulher vítima de feminicídio neste ano, no Distrito Federal. Apesar de, inicialmente, ter apresentado uma melhora no estado de saúde, seu quadro clínico voltou a se agravar nos últimos dias, com falhas nos rins. Como o ácido alcançou os ossos, ela teve infecção generalizada, o que causou a morte.
Para a família, o legado de luta e as boas lembranças permanecem, apesar do momento difícil. Trabalhadora de uma concessionária, Cácia é descrita principalmente como alguém que estava sempre sorridente e que tinha muita bondade no coração.
“Foram dias de luta, nos quais ela fez de tudo pra sobreviver. Cácia queria ficar bem pra levantar a bandeira contra o feminicídio”, revelou a única irmã, a operadora de telemarketing Maria do Carmo Pereira, 48. As duas filhas da vítima, de 28 e 14 anos, também receberam as condolências de amigos e colegas durante o sepultamento, realizado no Cemitério de Sobradinho.
“Ela disse para mim que seria testemunho vivo da causa”, lembra Maria do Carmo, sobre quando visitou a irmã internada. Ainda assim, afirma, apesar do falecimento, Cácia continua sendo um símbolo na luta contra o feminicídio.
Vou fazer tudo o que eu puder. Vou levantar a bandeira que ela queria levantar. Chega de violência. As pessoas fingem que nada está acontecendo, que isso foi só mais um caso.
Maria do Carmo, irmã da vítima
“Não vai ser de mais ninguém”
Cácia morava em Nova Colina, Sobradinho, e era consultora de vendas em uma concessionária. Estava separada de Júlio César dos Santos Villa Nova, 55, há mais de uma década. Familiares relataram que a mulher sofria constantes ameaças por parte dele, com quem tinha uma filha adolescente. No dia 25 de abril, ele entrou na casa da ex, jogou ácido sulfúrico nela e se matou em seguida.
“Cácia achava que ele poderia mudar”, contou Maria do Carmo. “De quatro anos para cá, as ameaças ficaram mais intensas. Eu disse a ela que tivesse forças.” No entanto, afirma, a irmã nunca quis denunciar o homem, por medo de prejudicar a família dele, a quem mantinha consideração.
Villa Nova teria sido demitido recentemente do shopping onde trabalhava como vigilante e entrado em depressão. Isso, diz a polícia, pode ter sido um gatilho. De acordo com pessoas próximas a ele, Júlio César conseguiu a chave da casa de Cácia e fez uma cópia sem que ninguém soubesse, o que reforça a tese de crime premeditado.
As câmeras mostram o momento que ele chega ao local, desce do carro duas vezes. Na primeira, olha se tem alguém em casa. Na segunda, já com uma mochila nas costas, onde estaria o ácido, o homem abre o portão da residência da ex.
Segundo o delegado plantonista da 13ª Delegacia de Polícia (Sobradinho), Wander Machado, Júlio sabia que a filha do casal não estaria no local, outra situação que leva a polícia a crer que ele premeditou o crime.
“Não falei que eu ia te matar?”, teria dito Villa Nova à vítima. “Se você não é minha, não vai ser de mais ninguém”. Em seguida, jogou ácido sulfúrico nos olhos de Cácia, momento em que ela começou a gritar por ajuda. No entanto, quando tentou atirar na ex com um revólver de calibre .32, os quatro disparos falharam, dando tempo para que ela fugisse até um bar, onde pediu socorro. A vítima recebeu atendimento do Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) e foi encaminhada para o hospital.
O delegado-chefe da 13ª DP, Hudson Maldonado, explicou que o inquérito será encaminhado à Justiça, mas, como o autor do crime atirou no próprio ouvido e morreu, há a extinção de punibilidade.
Neste 2019, o Metrópoles iniciou um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal estão sendo contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país. Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF.