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Feminicídio: 67,8% dos autores do DF são criminosos reincidentes

A Polícia Civil concluiu 93% dos inquéritos de feminicídio registrados no Distrito Federal, mas “prende e solta” ainda preocupa

atualizado

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André Borges/Especial para o Metrópoles
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1 de 1 Mae-de-Renata - Foto: André Borges/Especial para o Metrópoles

A cada 10 dias, uma mulher é vítima de feminicídio no Distrito Federal. A maioria dos algozes têm histórico criminoso, são presos e, quando são soltos, matam as vítimas. De 1º janeiro a 7 de novembro, foram registrados 28 casos, número equivalente a todo o ano passado. Entre eles, 67,8% dos autores já tinham passagens por delegacias, segundo dados inéditos da Polícia Civil do DF (PCDF), obtidos pelo Metrópoles. Sete já haviam sido detidos pela Lei Maria da Penha e 12 por outros delitos.

Ainda de acordo com o último levantamento feito pela PCDF, dos 28 assassinatos, os responsáveis foram indiciados em 23 ocorrências. Duas investigações seguem sem conclusão e três homens tiraram a própria vida após o crime. O índice de 93% dos inquéritos finalizados se deve, em boa parte, ao protocolo especial aberto pela polícia.

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O procedimento parte do pressuposto de que qualquer crime que envolva um homem e uma mulher é um feminicídio. “Os investigadores são preparados para identificar situações, recolher provas e tomar depoimentos, buscando entender se o preconceito contra a mulher está por trás do crime cometido”, diz a chefe da Delegacia Especial de Atendimento à Mulher (Deam), Sandra Melo. Além do DF, apenas o estado do Piauí utiliza um conjunto de regras semelhantes.

Um levantamento da Secretaria de Segurança Pública (SSP-DF) mostra que, desde a adoção do protocolo, cresceu o número de casos enquadrados como tentativas de feminicídio. No primeiro semestre de 2016, quando já existia a lei mas não havia o procedimento, foram 12 casos. No mesmo período de 2017, quando já estava implantado, o número triplicou, passando para 36.

Em relação aos feminicídios, a comparação não é a mesma porque a quantidade de assassinatos de mulheres caiu. No primeiro semestre de 2016, foram 12 casos, enquanto no mesmo período de 2017, quando já existia o protocolo, 11 mortes foram registradas.

A Justiça solta e eles matam

O último feminicídio registrado no Distrito Federal foi o de Renata Alves dos Santos, 26 anos. Ela foi assassinada na frente da mãe, Judite Alves dos Santos, 68, em São Sebastião. Em clima de comoção e revolta, a mulher enterrou a filha na última terça-feira (05/11/2019) (foto em destaque).

Brigas e agressões marcaram o relacionamento entre a vítima e Edson dos Santos Justiniano Gomes, 43. Havia, contra ele, dois boletins de ocorrência registrados. Em janeiro deste ano, o homem se tornou suspeito de queimar as costas de Renata. Em setembro, Edson teria batido na mulher, que ficou com hematomas no corpo.

Edson chegou a ser preso em flagrante e encaminhado ao Departamento de Controle e Custódia de Presos, no Complexo da Polícia Civil. Em 24 de setembro, passou por audiência de custódia e ficou em liberdade sem pagamento de fiança. Na decisão, a juíza Lorena Alves Ocampos afirmou que não seria razoável mantê-lo preso provisoriamente, enquanto responde ao processo.

“A conduta em si não causou significativo abalo da ordem pública nem evidenciou periculosidade exacerbada do seu autor, de modo a justificar sua segregação antes do momento constitucional próprio. O indiciado é primário, possui residência fixa no distrito da culpa e trabalho lícito. Não há histórico de violência doméstica e familiar e não há indicativos concretos de que o suspeito pretenda furtar-se à aplicação da lei penal, tampouco que irá perturbar gravemente a instrução criminal”, pontuou a magistrada.

“A hipótese trazida à apreciação indica ser cabível a liberdade provisória, até mesmo por que, muito provavelmente, mesmo em caso de futura condenação, tudo indica que o regime de cumprimento da pena será o aberto”, completou.

“Quero que ele seja preso”

Antes de ser assassinada pelo companheiro na noite de sexta-feira (01/11/2019), Renata enviou um áudio para a irmã, por volta de 20h. Na gravação obtida pelo Metrópoles, a dona de casa diz que queria que Edson fosse preso. A mãe da vítima confirmou o perfil agressivo do genro ao revelar que ele já havia tentado queimar a filha viva.

A vítima de feminicídio foi espancada até a morte em casa, na Rua 8 da Quadra 19 do Residencial Morro da Cruz, em São Sebastião. Momentos antes de ser morta, ela disse à irmã que “sabia” que o homem seria detido naquela data. “Só sei que o outro daqui vai preso é hoje. Eu quero que ele seja preso.”

Ouça a gravação a seguir:

De acordo com a sobrinha de Renata, Jéssica Alves Rangel, 25, a família não sabe qual o contexto da fala da mulher. “Minha mãe mandou mensagem perguntando se estava tudo bem. Daí, ela respondeu isso”, comentou Jéssica.

Conforme a sobrinha, Renata frequentemente aparecia com marcas de agressões. Entretanto, sempre dava desculpas. “Ela tinha queimadura do pescoço para baixo, aparecia com olho roxo, mas só falava que havia caído ou que tinha se queimado sem querer”, relembrou.

Para Jéssica, Renata não denunciava o companheiro por depender financeiramente dele. “Ela veio da Bahia para cá e, quando chegou, só tinha até a quarta série. Então, sempre foi difícil para ela arranjar emprego. Acho que justamente por que ela era sustentada por ele que não procurava a polícia”, considerou.

Isqueiro e álcool

Ao Metrópoles, Judite Alves dos Santos relatou que o homem sempre foi violento. “Ele já tentou queimá-la. Riscou um isqueiro e tacou álcool nela. Ela saiu pegando fogo, mas os vizinhos jogaram água e apagaram”, contou.

Segundo Judite, Edson sempre foi muito ciumento com a mulher. Eles estavam juntos há cerca de dois anos. “Tinha ficado viúva, então, fui morar com eles, porque não queria ficar sozinha. Os dois brigavam bastante. Eu ainda entrava no meio para separar, mas ele dava muitos murros nela”, narrou Judite.

“Uma vez, o peguei a enforcando na cama. Aí, puxei o colarinho da blusa dele, e ele soltou. Outra vez, bateu nela com a tampa de uma panela de pressão”, relembrou.

Na sexta-feira (01/11/2019), Judite tentou mais uma vez impedir o homem de espancar a filha dela. “Mas ele me jogou em cima de uma mesa de mármore e quase estourou minha coluna”, disse. Após testemunhar as agressões contra Renata e ser ameaçada pelo autor do crime, Judite ainda conseguiu sair de casa e pedir ajuda a vizinhos, mas a filha já estava morta.

Agora, a dona de casa deseja que Edson permaneça detido. “Ele foi pego em flagrante pela polícia. Tudo que espero é que ele continue preso”, afirmou Judite.

Ameaças

Ainda de acordo com Judite, Edson mandou que ela assumisse o crime para a polícia. “Ele falou para eu dizer que fui eu que matei. Fiquei calada, porque tive medo de ele me matar também, de atear fogo em mim”, disse à reportagem.

Depois de tirar a vida da companheira, o homem teria permanecido em casa e ameaçado a sogra de morte. “Disse que me mataria se eu falasse que foi ele, e ficou lá. O vizinho ligou para a polícia. Aí, chegaram as viaturas e levaram ele”, relatou.

“Ele maltratava muito a minha filha. Os homens da família dele são acostumados a maltratar mulher. Ele não pode ser solto mais”, completou Judite.

Prisão preventiva

Acusado de assassinar Renata, Edson teve a prisão preventiva decretada na segunda-feira (04/11/2019). Em audiência do Núcleo de Audiências de Custódia (NAC), a juíza de direito substituta Flávia Pinheiro Brandão Oliveira levou em consideração o histórico de casos de violência doméstica que o homem cometeu contra a vítima.

No entendimento da magistrada do Tribunal do Júri de São Sebastião, a detenção de Edson foi necessária “por conveniência da instrução processual, eis que ele teria ameaçado a mãe da vítima, ao dizer que, se ela informasse para a polícia que ele era o autor do feminicídio, iria matá-la”.

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