Em um ano, chamados de Maria da Penha atendidos pela PM sobem 42%
Equipes da corporação trabalham em conjunto com famílias por meio do Programa de Prevenção Orientado à Violência Doméstica e Familiar
atualizado
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O número de denúncias de violência contra a mulher aumentou no Distrito Federal. Entre janeiro e outubro deste ano, policiais militares atenderam 16.494 ocorrências de Maria da Penha. No mesmo período de 2018, foram 11.575 casos, um aumento de 42%.
Um dos últimos casos graves foi registrado na última quarta-feira (06/11/2019). Nelson da Silva Santos, morador de Sobradinho de 57 anos, foi preso por ameaçar a ex-companheira, de 45, e a enteada, de 24. Na casa dele, havia grande número de armamento e munições.
Entre as armas apreendidas, estão um rifle, uma espingarda e 11 facões. Em outubro deste ano, a ex-companheira do autor registrou ocorrência de injúria, ameaça e perturbação do trabalho. O casal estava separado desde janeiro de 2019 e ficou junto por três anos.
Provid
Com objetivo de prestar apoio às vítimas, a Polícia Militar busca ir além do atendimento primário da ocorrência policial. Equipes da corporação trabalham em conjunto com famílias por meio do Programa de Prevenção Orientado à Violência Doméstica e Familiar (Provid), realizando palestras e atendimento orientado a comunidade. Atualmente, todos os batalhões da PM contam com estrutura direcionada às questões de violência doméstica.
Segundo a PMDF, no período de janeiro a agosto deste ano, os profissionais do Provid realizaram 6.886 visitas, 37 palestras e 94 reuniões comunitárias, resultando no total de 8.298 pessoas pessoas atendidas pelo projeto.
Desde o final de 2015, a equipe de policiais percorre a cidade fazendo rondas nos arredores das casas de vítimas apontadas pela Justiça ou identificadas como vulneráveis pelo próprio patrulhamento. O time, formado por oficiais voluntários, entra nas residências em visitas solidárias para perguntar como essas mulheres estão se sentindo, se estão em segurança, se alguém as ameaça.
Cada equipe é composta por quatro oficiais, e um deles deve ser do sexo feminino. Ao receber o processo e definir quem serão as vítimas protegidas, o Provid tem 48 horas para visitar a casa, explicar à mulher qual é a intenção do projeto e montar um plano de segurança para que ela saiba a quem recorrer em caso de perigo.
Nem sempre elas entendem de primeira a presença da polícia dentro de casa — mas, com uma conversa calma, costumam aceitar a ajuda. A partir daí, a visita é repetida de acordo com as peculiaridades da situação de cada mulher. Se a vítima corre risco iminente de vida, o policiamento pode ser diário, além das rondas.
Dia a dia
Em março deste ano, Metrópoles pegou carona em uma viatura para acompanhar o dia a dia de uma das equipes. No banco de trás do veículo do sargento França e do soldado Paiva, do 11º Batalhão da PM, em Samambaia, visitamos duas vítimas que fazem parte do programa de proteção.
Na primeira casa, a mulher não quis aparecer na porta. Não atendeu aos chamados dos policiais e enviou a filha pequena para avisar que estava tomando banho. Tímida, a pequena negou que o pai estivesse em casa, mas a situação intrigou os policiais.
O trabalho tem limitações: “Vamos voltar em outro momento, não podemos invadir um domicílio sem mandado. Nesse caso, os dois eram usuários de drogas e ela está em recuperação. Não sabemos se a vítima não quis nos receber por ter tido uma recaída ou porque o marido voltou”, conta Paiva. Ao ver a viatura, os vizinhos aparecem na porta para saber o que aconteceu e uma tenta ajudar os militares, relatando que não viu o agressor e nem escutou barulhos suspeitos.
A reportagem seguiu, então, para outra residência. Desta vez, a vítima nos recebe de portas abertas. Ela conta que o marido era ótimo, excelente pai, e ficaram casados por 13 anos. Mas, há cinco anos, o companheiro começou a usar drogas e se transformou. “Ele não era muito de me bater, mas destruía a casa inteira. Penso não só em mim, mas nos meus filhos”, diz. Durante um acesso de raiva do parceiro, ela se escondeu dentro de um banheiro e chamou os policiais por WhatsApp. “Fui salva por eles”, agradece.
França explica que o trabalho da equipe é a longo prazo e envolve meses de empoderamento da vítima, convencimento de que ela não precisa passar por situações de violência.
O agressor, se ainda estiver em casa, também entra na conversa: os militares falam sobre a Lei Maria da Penha, machismo, as consequências das ações e informam que a PM aparecerá a qualquer momento. “Não marcamos hora nem dia, para ele ter a sensação de que estaremos sempre perto”, ressalta Paiva.
No caso da segunda vítima, apesar de o acusado estar preso, as visitas continuam enquanto não sair a sentença, para garantir que ela consiga se manter. Sem a renda do marido, a mulher conta que ficou sozinha com quatro filhos para cuidar e não tem emprego fixo.
França e Paiva perguntam sobre as crianças e a escola, explicam como a rede de proteção pode ajudar e ensinam como a vítima pode conseguir cestas básicas e apoio. E, o mais importante, reforçam o quão corajosa ela foi e se colocam à disposição. No dia 11 de março, o agressor terá uma audiência na Justiça e pode ser libertado.
“A gente sempre tem aquela tristeza do que não conseguiu continuar. É muito difícil criar meus filhos sozinha. Eu tinha um ótimo marido, a gente tinha um plano familiar, fomos conquistando as coisas. Mas o que construímos foi destruído. Não é fácil lembrar que ele está preso, mesmo com tudo o que eu passei. Tudo falta na vida da gente. Quando a lágrima cai, ninguém fica por perto. Mas tenho medo de ele voltar”, conta a vítima. Enquanto ela se sentir ameaçada, o Provid seguirá acompanhando a família.
Experiência
De acordo com a Portaria PMDF nº 985, de 17 de novembro de 2015, que institui o Provid, cada equipe pode atender 25 casos por mês. Na prática, o número é maior. A viatura de França e Paiva, por exemplo, faz entre cinco e 10 visitas por dia na área de Samambaia e ainda tem uma pilha de pedidos a analisar.
Apesar da rotina pesada, os policiais do programa se sentem motivados por fazer a diferença na vida de famílias vítimas de violência doméstica. Um dos casos mais marcantes atendido pela dupla foi o de uma criança de quatro anos, que não falava devido ao trauma de ver o pai batendo na mãe diariamente.
Mesmo com acompanhamento, a vítima queria desistir, dizia que ninguém poderia ajudá-la. “Foi bastante tenso, fomos conversando, trabalhando para que ela aceitasse a nossa presença e se empoderasse. Eventualmente, a mulher precisou ser transferida para uma Casa Abrigo. Mas o filho voltou a falar. No final do atendimento, ele nos viu e disse: ‘polícia!’”, lembra Pavia, emocionado. “Pelo fato de a gente se aproximar da comunidade, é um trabalho muito gratificante”, diz.
O programa
A 1ª tenente Vilela é a coordenadora geral do Provid e chegou ao projeto em outubro de 2018. “Quando você conhece os policiais que estão fazendo isso há muito tempo, percebe a dedicação. Eles são profissionais excepcionais, envolvem-se. Em um atendimento emergencial, você vai uma vez, prende, resolve, acabou. No programa, o oficial volta várias vezes, são situações que vão além da segurança”, frisa.
A oficial explica que o projeto nasceu a partir de um trabalho com educação para adultos realizado pelo 8º Batalhão da PM, em Ceilândia. Durante a interação com os alunos, foram surgindo relatos de violência doméstica e a corporação percebeu a necessidade de criar um programa específico. “Hoje, trabalhamos em três eixos: o de ações preventivas, com educação e palestras; o de visitas solidárias, ronda e conversa com a vítima e o autor; e a articulação de rede, onde atuamos com outros órgãos para desenvolver parcerias e retirar a mulher do contexto de violência e da situação de vulnerabilidade”, detalha a tenente.
Muitas vezes, analisando o caso com o acompanhamento próximo dos envolvidos, surgem demandas e necessidades por parte da vítima: alguém para cuidar dos filhos, algum curso profissionalizante, atendimento psicológico, etc. A Polícia Militar, então, encaminha a mulher para quem possa ajudá-la.
A tenente Vilela relata ainda que o acompanhamento não é eterno e pode ser encerrado e retomado, de acordo com a situação de vulnerabilidade e segurança da vítima. “Às vezes, o agressor se afasta mesmo, ou é preso, está de tornozeleira, foi encaminhado para tratamento de vício em drogas ou álcool. Depende de cada caso”, salienta.