Conheça a vizinha que mete a colher em briga de marido e mulher
Sobrevivente de uma tentativa de feminicídio, Adda Torres, 35 anos, criou uma ONG para ajudar mulheres vítimas da violência doméstica
atualizado
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Duas facadas, vários traumas no maxilar e um coração partido fizeram Adda Torres, 35 anos, passar de vítima a protagonista. A moradora de Ceilândia viveu, como muitas mulheres, um relacionamento abusivo que se agravou de ofensas verbais para uma tentativa de feminicídio cometida pelo homem que amava, pai de um de seus dois filhos.
A tragédia ressignificou a vida e a missão de Adda. A partir dela, a ativista começou a ajudar mulheres que passavam pelo que ela passou. Abriu as portas de casa para expor sua dor e descobriu uma rede de vítimas silenciadas, que, como ela, tinham medo de denunciar os maridos, naturalizavam a violência e eram desencorajadas a buscar a polícia.
Se o número do contador que fica na capa do Metrópoles, registrando o número de ocorrências de violência contra a mulher, assusta – foram 2.493 casos até a última sexta-feira (1º/3) –, a quantidade de vítimas que nunca pedem socorro é muito maior.
“Não aceitei e tomei uma atitude. Eu tive que fugir, sair da minha casa com meus filhos. Comecei a falar da minha situação e conheci muitas mulheres sofrendo o mesmo que eu. Fui formando grupos e fazendo um trabalho de empoderamento com elas”, explica.
A ONG Mulheres de Atitude surgiu em 2006 e ocupa uma casinha de dois cômodos no condomínio Quintas dos Amarantes, em Ceilândia. Apesar de a estrutura ser muito simples, Adda e seus colegas já atenderam mais de 6 mil mulheres que bateram na porta procurando acolhimento, aconselhamento e empatia.
Ali, elas não são apenas recebidas de braços abertos pela energia contagiante da fundadora presidente da ONG: a depender do caso e das necessidades de cada uma, também são encaminhadas a advogados, cursos de capacitação, atendimento psicológico, aulas de empoderamento e até a um dentista especializado em próteses dentárias. Tudo à base de parcerias e voluntários dedicados. A Mulheres de Atitude não recebe nenhum financiamento do governo e funciona com a renda obtida em um bazar permanente e a venda de artesanatos feitos de material reciclado.
E, sempre que é necessário, Adda age. “Precisamos meter a colher em briga de marido e mulher, e eu aviso logo: a minha é funda”, diz. Ela conta que já foi chamada para mediar a discussão de um casal à beira das vias de fato e teve que segurar as partes para evitar agressões físicas. Sentou-se, ofereceu água e conversou com calma. Os dois entenderam os erros da situação e, no fim, chegaram a um entendimento.
Com conhecimento de causa, a voz de Adda é respeitada. Ela aconselha com carinho, mas afirma que, se houver agressão, encaminha a vítima direto à delegacia, para registrar ocorrência. “Queremos levá-las a um mundo onde elas não se calam, no qual gritam. Entendo que um trabalho social com cesta básica é uma obrigação do Estado. Nós, como sobreviventes, temos que ajudar em outro patamar, principalmente com o estudo. Fazemos o possível para retirá-las da situação de dependência”, conta.
Adda também é pastora de uma igreja evangélica e explica que, quando sofria violências dentro de casa, foi aconselhada pelo pastor a não denunciar. A submissão da esposa em relação ao marido, escrita na Bíblia, ainda é levada a ferro e fogo em algumas instituições, mas ela diz que, em seu entendimento, o que se deve ao parceiro é respeito. Submissão, para a presidente da ONG, não quer dizer ficar calada e aceitar agressões. “Aqui, no Mulheres de Atitude, não temos religião. Trabalhamos o amor. Qualquer pessoa que entrar pela porta será abraçada e acolhida”, afirma.
Prestes a inaugurar um braço da ONG em Águas Lindas de Goiás, com direito a um espaço no futuro para abrigar mulheres que precisarem de abrigo, e com a publicação de um livro já em andamento, Adda se emociona ao falar sobre seu caminho. “Eu precisei passar por uma situação terrível e não achei que iria tão longe, que tantas pessoas iriam me procurar. Me casei de novo, criei meus filhos, consegui reconstituir a minha vida”, conta.
Quem precisar da ajuda de Adda ou puder contribuir com a ONG Mulheres de Atitude pode entrar em contato pelo número (61) 98187-3375.
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país. Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.