BO da balada: briga entre ficantes no DF rende medida protetiva
Lei Maria da Penha também pode ser aplicada em situações onde agressor e vítima estavam apenas em relacionamento momentâneo
atualizado
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Criada para combater a violência doméstica, a lei Maria da Penha também tem sido usada para justificar medidas protetivas de urgência e/ou punições em casos em que os parceiros ainda não mantinham relacionamento amoroso fixo, estavam na fase de “se conhecer” ou, até mesmo, apenas participavam de um encontro consensual que deu errado.
A fotógrafa Monique Rodrigues, 33 anos, conseguiu uma medida protetiva de urgência contra o servidor público Renato Cardozo depois de uma briga em um caraoquê no Setor Hoteleiro Norte. Era a primeira vez que os dois ficavam, apesar de se conhecerem há cerca de dois meses. Monique conta que tudo estava fluindo bem até o momento em que ela teria resistido ao convite de Renato para que o casal encerrasse a noite no apartamento dele. O rapaz, então, teria se descontrolado e passado a gritar com ela chamando-a de puta, piranha e vagabunda.
Renato, por sua vez, afirma que Monique o arranhou no braço depois de vê-lo conversando com outra menina. A partir daí, de acordo com ele, os dois teriam iniciado uma discussão que evoluiu para uma troca de empurrões. O Metrópoles teve acesso a imagens no qual os dois estão discutindo. Em um trecho de cerca de um minuto, aparece a imagem da moça dando um tapa na mão dele e, em seguida, ele dando empurrões fortes nela, um dos empurrões chega a fazer com que ela caia no chão. Em um segundo vídeo, é possível ver o rapaz derramando um copo de bebida na cabeça de Monique.
“Eu tenho 1,60 de altura e 55 quilos. Ele luta jiu jutsu, é alto e forte, é inadmissível que ele me empurre assim”, afirma a fotógrafa. Em entrevista, Renato afirmou à reportagem que não agrediu Monique, que agiu em legítima defesa. “Eu estava apenas afastando-a”, tentou se justificar sobre o trecho em que aparece no vídeo empurrando a moça. A ocorrência sobre a briga dos dois foi registrada na 5ª DP na madrugada do último dia 20/06 e está sob apuração.
No dia 21 de junho, Monique e Renato se encontraram casualmente em outra balada e, de acordo com ela, ele a encarou de maneira ameaçadora. O rapaz conta a história de maneira semelhante, mas, na versão dele, ela é que o teria olhado de uma forma que o constrangeu. “Quando vi que ela estava no local, decidi embora. Não gosto de confusão”, afirma.
Sentindo-se ameaçada, Monique, então, voltou à delegacia na segunda-feira (24/06/2019) e pediu que a polícia encaminhasse um pedido de medida protetiva de urgência à Justiça com base na lei Maria da Penha. No dia seguinte, a medida foi acatada, determinando que Renato mantenha uma distância de pelo menos 200 metros da moça por 120 dias e que não busque nenhum tipo de comunicação com a fotógrafa no período.
Na decisão, a juíza destaca que: “Embora existam ainda poucos elementos para uma análise mais aprofundada dos fatos, é direito da mulher, objeto de cuidados por parte da Lei nº 11.340/06, de se relacionar com quem bem entender e deixar de se relacionar, sem que isso venha a ser um problema em sua vida”.
Comportamento recorrente
Responsável pela Delegacia de Atendimento à Mulher (DEAM), a delegada Sandra Melo relata que é cada vez mais comum que as mulheres busquem à polícia quando há situações em que elas consideram ter havido agressões, mesmo em casos de relacionamentos eventuais. “As mulheres estão bastante seguras sobre seus direitos e comportamentos agressivos deles não são tolerados já a partir do primeiro encontro”, afirma. “A ideia de que a Lei Maria da Penha é apenas para casais ou ex-casais é falsa. Ela pode ser aplicada em qualquer tipo de relacionamento em que haja envolvimento emocional entre as partes”, esclarece.
O parágrafo III do artigo 5º é que enseja a interpretação na qual os encontros de uma noite só que deram errado podem ser considerados casos de violência doméstica. O texto diz que a lei se aplica “em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação”. A polêmica está se o encontro momentâneo pode ser considerado como uma “relação íntima de afeto”. Alguns, acreditam que sim. Outros, que não.
A coordenadora do Núcleo de Gênero do Ministério Público do Distrito Federal, promotora Mariana Távora, considera que sim – os relacionamentos entre um casal que está junto, independentemente do tempo, do formato ou da classificação que estejam dando à relação – são relacionamentos íntimos de afeto e, portanto, se houver alguma violência contra à mulher dentro deste contexto, o ato deve ser enquadrado como uma infração à lei Maria da Penha. “É importante que as mulheres e os homens saibam disso. Há limites saudáveis e respeitosos em relacionamentos mesmo que eles sejam eventuais ou momentâneos”, afirma a promotora.
O juiz Bem-Huh Viza, coordenador do Núcleo Judiciário da Mulher do TJDF, informa que decisões assim são, de fato, cada vez mais comuns no DF desde que haja elementos suficientes para inferir que a situação aconteceu em um momento de intimidade. “Se tiver sido reconhecida uma relação íntima de afeto e preenchidos os demais requisitos da Lei Maria da Penha, notadamente o risco à integridade física ou psicológica da mulher, a interpretação é comum”, esclarece.
Em resposta à reportagem, o magistrado citou um caso em que vítima e agressor tiveram um relacionamento de apenas três dias, mas que a perseguição pós-rompimento feita por ele ensejou a aplicação de uma medida protetiva em 2017.
Advogados
O advogado que representa Monique, Gustavo Arthur Coelho Lobo de Carvalho, considera que a medida protetiva arbitrada para o caso da cliente mostra o quanto a Justiça avançou no reconhecimento do direito das mulheres. “A decisão amplia as garantias da lei Maria da Penha pois, apesar de não ter mantido um relacionamento amoroso com o acusado, Monique foi vítima de violência física, psicológica e moral”, afirma.
Em nota enviada à reportagem, a defesa de Renato afirmou: “A defesa de Renato Cardozo esclarece que os fatos havidos foram fruto de desentendimento, obrando em legítima defesa, estando à disposição das autoridades para quaisquer explicações que eventualmente se façam necessárias”. O inquérito policial ainda não está encerrado.