Após levar 2 tiros do ex, Ana Paula virou campeã mundial paralímpica
Sobrevivente de tentativa de feminicídio, a gaúcha seguiu em frente pelo filho e inventou nova vida para si por meio do esporte
atualizado
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Aos 15 anos, Ana Paula Marques se apaixonou. Ela estava na escola e ele morava na casa da frente. Seis meses depois do início do relacionamento, a então adolescente se mudou para a casa do namorado e, felizes, dois meses depois, descobriu que estava grávida. A vida caminhava tranquila até as brigas começarem, quando o bebê fez um ano. Hoje, Ana Paula não se lembra bem por que o casal discutia tanto.
Quando a gaúcha decidiu que iria começar a trabalhar, o companheiro não aceitou. Os ciúmes dele saíram de controle e o ciclo da violência, com insultos verbais e ameaças, se iniciou. Ela saiu de casa, ele prometeu mudar. Ana voltou, mas avisou: o companheiro teria um ano para melhorar. No primeiro mês, as coisas funcionaram bem. No seguinte, as brigas recomeçaram e, desta vez, se tornaram piores, passaram a incluir agressões físicas.
Ana Paula saiu novamente, voltou para a residência da mãe. Ele vivia perseguindo a ex-parceira. Numa ocasião, a violência foi tal que, toda roxa de pancadas, ela prestou queixa na polícia. Nada aconteceu. Até que um dia, no meio da rua, após o pai de seu filho iniciar uma discussão, ela decidiu sair andando. “Só vi o brilho da arma”, conta a gaúcha. Foram dois tiros na região da coluna que deixaram Ana Paula paraplégica. Isso aconteceu em 2003, na cidade de Alvorada, interior do Rio Grande do Sul.
Na cadeira de rodas, depois de passar por momentos muito difíceis de depressão, Ana Paula decidiu retomar sua vida. Um amigo sugeriu que ela tentasse se tratar no Hospital Sarah Kubitschek em Brasília e, em outubro de 2004, veio para o Distrito Federal para sua primeira consulta. “O Sarah me mostrou nova perspectiva de vida, descobri que eu era capaz de muitas coisas”, destaca.
Nove anos após iniciado o tratamento, Ana Paula decidiu se estabelecer na capital da República junto com o filho. Aqui, fez amizade com atletas paralímpicos, começou a praticar atletismo, tiro com arco. Por fim, veio a vela. “Eu me sinto eu, fazendo o que quisesse ali, dentro do barco. Aquele vento batendo no rosto, a ponte JK de fundo, é isso o que quero para mim”, afirma. Hoje, a gaúcha é campeã paraolímpica de vela. Sua última façanha foi conquistar a medalha de bronze em junho deste no mundial da Espanha.
Escute, no áudio abaixo, a história de Ana Paula Marques, 36 anos, narrada por ela:
Placar do machismo
Nestes nove primeiros meses do ano, o placar do machismo continua registrando tragédias diárias. Segundo dados da Secretaria de Segurança Pública do DF, de janeiro a setembro de 2018, 21 feminicídios ocorreram no Distrito Federal. Em 2019, no mesmo período de tempo, já são quatro a mais: 25 mulheres foram assassinadas em crimes dessa natureza.
O número de tentativas de feminicídio também já é maior do que o registrado no mesmo período do ano passado: foram 48 em 2018 e 73 em 2019. E, de maneira semelhante, cresceram as ocorrências enquadradas na Lei Maria da Penha: 11.559, de janeiro a setembro de 2018, e 11.874 no mesmo período deste ano. Por um lado, o índice reflete que as mulheres estão procurando cada vez mais o Estado para romper o ciclo de violência e pedir ajuda. Por outro, a quantidade de casos escancara as milhares de vítimas que convivem com o medo e o perigo.
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país.
Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.