A cada 10 mulheres vítimas de violência, apenas duas vão à delegacia
Pesquisa mostra que no ano passado cerca de 30% das entrevistadas sofreu algum tipo de agressão e, dessas, poucas denunciaram
atualizado
Compartilhar notícia
Uma nova pesquisa divulgada nesta terça-feira (26/2) pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que cerca de 30% das brasileiras foram vítimas de situações violentas, que o principal autor foi o homem com os quais elas se relacionam ou já se relacionaram e que apenas metade conseguiu romper a barreira do silêncio e denunciá-lo para se proteger.
“Os dados indicam que o volume de mulheres vítimas de violência todos os dias é altíssimo, que mais da metade não busca nenhum tipo de ajuda, nem do poder público, nem da família e dos amigos”, lamenta a diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Samira Bueno. A pesquisa foi realizada pelo Instituto Datafolha, com entrevistas realizadas nos dias 4 e 5 de fevereiro, em 130 municípios brasileiros.
No total, 2.084 pessoas foram ouvidas, entre homens e mulheres. Das entrevistadas, 27,35% relataram ter sofrido algum tipo de violência ou agressão no ano passado, o equivalente a 16 milhões de mulheres, de acordo com estimativas conservadoras feitas pelo próprio Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Questionadas sobre que tipo de agressão sofreram, 21,8% responderam terem sido vítimas de insultos, humilhações e xingamentos; 9,0% disseram ter sido vítimas de violência física, como empurrões, chutes ou pancadas, e 8,9% foram tocadas ou agredidas por motivos sexuais.
A maioria das vítimas apontou que a agressão foi cometida por conhecidos, entre eles cônjuge/companheiro/namorado, 23,9%; ex-cônjuge/ex-companheiro/ex-namorado,15,2%; irmão/irmã, 4,9%; amigo/amiga, 6,3%; e pai/mãe, 7,2%; entre outros.
Assunto velado
O levantamento comprova que a violência doméstica segue como um assunto velado. As vítimas ainda têm dificuldades para pedir socorro ao poder público e até mesmo para falar sobre o assunto com a família. Do total de entrevistadas, 52% declarou não ter procurado ajuda após as agressões; 15% falaram sobre o assunto com a família; 10% fizeram denúncia em uma delegacia da mulher e 8%, em delegacias comuns.
Professor da Universidade de Brasília e especialista em segurança pública, Arthur Trindade considera que questões culturais que precisam ser enfrentadas influenciam na decisão delas de não falar, mas há também problemas na rede de proteção que deveria acolhê-las. “São duas vertentes de problemas: os culturais e os institucionais. A rede de proteção ainda não alcança todas, o que acaba desencorajando as denúncias”, afirma. O especialista lembra que a realidade da maioria dos municípios brasileiros é muito diferente da estrutura encontrada nas capitais. “As Deams [delegacias especializadas] e as patrulhas Maria da Penha só existem nas capitais”, informa.
Assédio constante
A pesquisa também mediu o grau de assédio às mulheres no decorrer de 2018. Entre as entrevistadas, 37% relataram ter vivido situações assim no período. Desse total, 32,1% receberam cantadas ou comentários desrespeitosos quando andavam na rua; 11,5% receberam cantadas ou comentários desrespeitosos no ambiente de trabalho e 7,8% foram assediadas fisicamente em transporte público, como no ônibus, metrô ou van.
Às vésperas do Carnaval, chamam atenção os dados sobre assédio na balada. A pesquisa apontou que 6,2% das mulheres ouvidas foram abordadas de maneira agressiva (com toques indesejados em seu corpo) durante uma balada. Outras 5% foram agarradas ou beijadas sem consentimento, ou seja, à força, e 3,3% relataram tentativas de abuso por estarem embriagadas.
Neste 2019, o Metrópoles inicia um projeto editorial para dar visibilidade às tragédias provocadas pela violência de gênero. As histórias de todas as vítimas de feminicídio do Distrito Federal serão contadas em perfis escritos por profissionais do sexo feminino (jornalistas, fotógrafas, artistas gráficas e cinegrafistas), com o propósito de aproximar as pessoas da trajetória de vida dessas mulheres.
O Elas por Elas propõe manter em pauta, durante todo o ano, o tema da violência contra a mulher para alertar a população e as autoridades sobre as graves consequências da cultura do machismo que persiste no país. Desde 1° de janeiro, um contador está em destaque na capa do portal para monitorar e ressaltar os casos de Maria da Penha registrados no DF. Mas nossa maior energia será despendida para humanizar as estatísticas frias, que dão uma dimensão da gravidade do problema, porém não alcançam o poder da empatia, o único capaz de interromper a indiferença diante dos pedidos de socorro de tantas brasileiras.