Viciei no “Jogo do Tigrinho”, e agora? Entenda o quadro e como tratar
O psicólogo Rodrigo Bravim e o médico psiquiatra Higor Caldato dão detalhes da influência do “Jogo do Tigrinho” na vida das pessoas
atualizado
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Quem utiliza frequentemente o Instagram ou outras redes sociais já deve ter sido abordado por perfis falsos oferecendo dinheiro “fácil” para divulgar o tal “Jogo do Tigrinho”. Em outros casos, são os anúncios on-line que ocupam as páginas das plataformas com propostas tentadoras.
O “Jogo do Tigrinho” é um cassino on-line do tipo caça-níquel, em que os usuários apostam dinheiro para tentar ganhar uma “grana” ainda maior. O objetivo é que o jogador combine três figuras idênticas nas três linhas que aparecem na tela, assim como acontecem nas máquinas caça-níqueis.
Apesar da divulgação em massa, impulsionada principalmente pelos influenciadores, o jogo é ilegal no Brasil com base na Lei nº 3.688/1941. Mesmo assim, a prática tem se tornado cada vez mais comum, levando a consequências que vão desde problemas financeiros até o desenvolvimento de vícios.
De acordo com o psicólogo Rodrigo Bravim, o vício em jogos de azar é conhecido como ludomania, um distúrbio psicológico que faz com que a pessoa aposte compulsivamente. O quadro é considerado um transtorno do controle de impulsos (impulsividade).
“No contexto social, a vida familiar, profissional e financeira do sujeito é colocada em ‘xeque’, porque tudo passa a girar em torno da necessidade de jogar. Esses jogos se tornaram um problema de saúde pública na Europa. Em hospitais de São Paulo, a ala psiquiátrica tem fila de espera para lidar com pessoas nessa situação”, comenta o especialista.
O médico psiquiatra e sócio do Instituto Nutrindo Ideais Higor Caldato acrescenta: “Os jogos de azar estimulam o sistema de recompensa do cérebro, que está associado principalmente com a dopamina. Com o tempo, o órgão pode se tornar ‘viciado’ nessa sensação, levando a um comportamento compulsivo”, diz.
Sinais de alerta
Não é muito comum ver pessoas inteiradas que os jogos de azar podem viciar ou, nesses casos, não sabem a hora de parar porque acham que é “apenas um jogo de diversão”. No entanto, o problema é, sim, algo a se preocupar. Por isso, a importância de saber os sinais de alerta.
“O fato da pessoa passar cada vez mais tempo jogando, discutir frequentemente com outras pessoas sobre jogo e ficar obcecada esperando jogar novamente são alguns dos indícios. Além disso, pode ter sinais emocionais de maior irritabilidade, insônia e isolamento social”, explica Higor Caldato.
Rodrigo ressalta que a prioridade da vida do indivíduo se torna jogar, já que os pensamentos estão voltados para as apostas, seguido da frustração “ao ver todos os números se transformarem em zero”. É nesse ciclo vicioso que a pessoa se afunda cada vez mais no descontrole.
“Começam as mentiras; atos ilegais, como pegar dinheiro emprestado com agiotas; e fazer empréstimos. O que era estabilidade começa a ruir. Perde-se o dinheiro, a confiança dos outros e, muitas vezes, até em si mesmo por ter consciência que não tem mais controle sobre si. Afinal, na ‘próxima tentativa vai dar certo’”.
A batalha para abandonar o vício
De acordo com Rodrigo, abandonar o vício em jogos de azar pode ser um desafio. Assumir que está sofrendo de um transtorno é uma tarefa difícil. Além disso, o quadro é comparado a um vício químico, logo, a abstinência é um forte problema, assim como a tolerância a medicamentos.
“Na maioria das vezes, além da medicação, acompanhamento psiquiátrico e psicológico, o sujeito necessita de internação para uma possibilidade de desassociação tanto do meio quanto da acessibilidade aos jogos”, afirma o especialista.
Tratamento
Quando se percebe a necessidade de intervenção, recomenda-se procurar ajuda médica para obter um possível diagnóstico e tratamento. O psiquiatra Higor Caldato explica que o tratamento envolve acompanhamento psicológico para auxiliar no entendimento dos sintomas e na supervisão comportamental.
“O apoio de grupos como ‘Jogadores Anônimos’ pode ajudar na troca de vivências e experiências relacionadas a uma comunidade que entende o que a outra está passando. Vale também fazer acompanhamento com um psiquiatra para identificar e tratar quadros associados, como transtornos depressivos, ansiosos e insônia”, pondera.
O ideal é começar o tratamento o quanto antes. De acordo com Bravim, 70% dos jovens superam o transtorno com terapia, enquanto a outra parcela sofre recaídas ou abandonam o tratamento.
“Muitas vezes, medicamentos como paroxetina, naltrexona e bupropiona, entre outros, são necessários junto com o acompanhamento psicológico individualizado. A família entra como parceira indispensável em todo tratamento, tendo um olhar cuidadoso, em vez de inquisidor, durante o processo de recuperação do sujeito.”
Prevenção
Em relação a estratégias de prevenção que podem ser usadas para evitar que pessoas desenvolvam um vício em jogos, Higor diz: “Campanhas educacionais, fiscalização rigorosa sobre a restrição de idade para o acesso aos jogos, estipular limites máximos financeiros para apostas e tempo gasto em jogos”.
Outras táticas incluem incentivar hobbies saudáveis e outras atividades que gerem entretenimento, disponibilizar linhas de apoio 24h que permitam maior acolhimento e orientação, e implementar regulamentações rígidas para operadores de jogos de azar.