Turismo LGBTQ+: como Brasília hospeda a diversidade
Ainda engatinhando, mercado em Brasília tem muito a crescer. Mas faltam investimentos direcionados ao público
atualizado
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O que pensar de um empresário que não investe em um mercado capaz de gastar US$ 26,8 bilhões somente no ano passado? No mínimo, que ele está perdendo dinheiro. Essa é quantia estimada que a comunidade LGBTQ+ brasileira gastou em 2018, segundo a consultoria Out Now. Nesse universo, muito desses investimentos são direcionados a viagens. E a escassez de empresas investindo nesse mercado demonstra como o preconceito é algo que prejudica os negócios.
Durante Conferência Internacional da Diversidade e Turismo LGBT*, realizada pela Câmara de Comércio e Turismo LGBT do Brasil, entre 25 de agosto e 1º de setembro, empresários de diversos setores apresentaram experiências e inovações na tentativa de estimular não apenas o setor dentro do país, mas de que forma os turistas LGBTs brasileiros podem usufruir dessas vivências sem o risco da homofobia.
E onde está Brasília nesse cenário? Questionado, Ricardo Gomes, presidente da entidade, alertou que, não apenas a capital do país, mas o Brasil como um todo ainda não tem uma cultura de turismo LGBT entre o empresariado. “E é por isso que fazemos eventos como a conferência. Para unir a comunidade e compartilhar conhecimento, cases e experiências inovadoras pelo mundo”, explica.
Essa falta de projetos turísticos que contemplem a comunidade se reflete em menos rendimentos. Ainda que tenha conseguido um recorde de participação em 2019, 200 mil pessoas, a Parada do Orgulho LGBT de Brasília ainda está longe de conseguir causar tamanho alvoroço quanto a de São Paulo. Só em 2019, o evento paulista movimentou R$ 403 milhões, de acordo com a prefeitura da cidade.
Mas isso não quer dizer que não haja esforço. “Tivemos recorde de participação. Ainda não conseguimos medir a economia gerada, mas já levamos essa questão para a Secretaria de Turismo. Porém, sem dúvidas a parada atrai muita gente de fora de Brasília”, afirma Michel Platini, um dos organizadores.
Procurada, a Secretaria de Turismo afirmou, por meio de nota, que “tem trabalhado com afinco na estruturação, qualificação e na promoção do destino de forma a atrair e receber todos os tipos de turistas”. E completou reiterando “que o público LGBTQ pode usufruir de todas as atividades turísticas que a capital oferece, já que este público se interessa por todos os segmentos pilares do turismo em Brasília, como o arquitetônico, cultural, gastronômico, náutico, rural, de aventura, histórico, cívico e criativo”.
André Perotto, do Hostel7, acredita que Brasília é uma cidade que celebra a diversidade, mas que isso ainda pode e deve ser ampliado. “Eu compartilho da opinião que Brasília poderia promover uma campanha de promoção do destino como a capital de todos. Promover eventos, festas, painéis de discussão”, aponta.
Brasília – cidade gay-friendly?
Michel também compartilha desse pensamento. “Acredito que o DF deve implementar uma política de turismo LGBT, desenvolvendo campanhas e enfrentando a questão da LGBTfobia. Ninguém visita um lugar que não se sente seguro”, complementa. No ano passado, uma parceria firmada entre Ministério do Turismo, a Embratur e a Câmara de Comércio e Turismo LGBT definiu um plano de trabalho voltado à promoção do Brasil como destino gay-friendly para o período 2018-2022. Porém, Ricardo Gomes afirma que, desde o começo do novo governo, o assunto não foi mais debatido.
Assim, as iniciativas locais acabam se tornando mais importantes que as de âmbito nacional. Ricardo Lucas, um dos sócios da boate Victoria Haus, confirma essa necessidade. Recentemente, a marca realizou uma micareta LGBT na cidade com atrações como Pabllo Vittar e Glória Groove, ícones da comunidade. “Quando um evento ou espaço se fortalece, ganha nome e atrai público também fortalece toda a cena de locais ou eventos. É um crescimento em rede que desperta o interesse de mais visitantes buscando uma programação interessante e diferente de pólos como Rio e SP”, explica.
Para ele, o tradicionalismo que brotou das últimas eleições não conseguem manchar as possibilidades do turismo LGBT em Brasília. “Acho que o próprio funcionamento da cidade é um pouco bipolar, parece que a Brasília política só existe entre terça e quinta e que neste dias estamos todos ocupados com diversas atividades e os nossos fins de semana são verdadeiros oásis”, garante.
Os turistas confirmam isso. Matheus Mendonça, professor em Teresina, conheceu a capital pela primeira vez ao participar da micareta promovida pela Victoria Haus. Ele, que aproveitou para conhecer outros pontos da cidade, afirma que não sentiu nenhum desconforto como LGBT. “ Nas três noitadas, vi bastante diversidade e senti que podia fazer amizades facilmente. Pretendo voltar, apesar do tempo seco, a noite fria é uma delicinha e a mobilidade da cidade é muito prática, achei tudo perto. Da próxima vez, quero ir em festas menores, devem ser incríveis”.
* O repórter viajou a convite do evento