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Quer desistir de uma viagem na pandemia? Veja quais são seus direitos

Para quem não se sente seguro em viajar ou está lidando com uma fronteira fechada, a lei assegura o direito de mudar de ideia. Entenda

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aviões parados em aeroporto por causa da pandemia
1 de 1 aviões parados em aeroporto por causa da pandemia - Foto: Getty Images

Mesmo com passagens compradas, hospedagens reservadas e roteiros prontos, viajar nunca foi motivo de tanta preocupação quanto nos últimos dois anos. O cenário de incertezas continua a atingir em cheio o setor de turismo, e a recomendação de distanciamento social para conter o avanço da pandemia de Covid-19 esvaziou aeroportos, colocou ônibus nas garagens e aviões em solo.

Para muitos, o desejo de mudar de ares e conhecer novos destinos se tornou uma grande dor de cabeça. Por um lado, os turistas desistiram das viagens com medo de se infectar pelo coronavírus ou em função das restrições impostas pelo espaço público, como o fechamento de pontos turísticos, restaurantes e espaços de hotelaria. Por outro, as companhias aéreas, diante de fronteiras fechadas e aviões vazios, se viram forçadas a cancelar diversos voos.

O resultado é uma enorme procura pelos canais de atendimento, em busca dos direitos de quem teve o voo cancelado, ou de alternativas para quem não se sente confortável em viajar.

Amanda Corcino, de 24 anos, tinha uma viagem internacional marcada, e precisou insistir tantas vezes com a empresa pelo cancelamento que quase desistiu de reaver o dinheiro. Por conta das restrições de entradas de estrangeiros, ela não pôde mais viajar para o Peru. Mas, como não conseguia contato com a empresa que vendeu as milhas a tempo, a brasiliense teve que ouvir que eles “não poderiam fazer mais nada”.

Sem sucesso com os canais da empresa, agora ela vai entrar com um pedido no portal digital de atendimento ao consumidor. “Eu sinceramente já tinha contado que tinha perdido esse dinheiro, até chorei e não gosto nem de falar no assunto”, desabafa.

O incômodo de Amanda é compartilhado por outros milhares de brasileiros. Dados oficiais apontam que a insatisfação dos consumidores explodiu durante a pandemia. Para medir esse fenômeno, um dos melhores termômetros é o portal Consumidor.gov.br, do Ministério da Justiça, que recebe as queixas e favorece a solução dos problemas.

No setor de transporte aéreo, entre 2019 e 2020, as reclamações no site subiram de 47,6 mil para 65,5 mil. No setor de viagens e hospedagem, saltaram de 7,7 mil para 40,7 mil, de acordo com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

Impacto na aviação

Quando se fala em viagens, uma enorme cadeia produtiva foi desestabilizada – desde companhias aéreas e empresas de hotelaria até pequenas comunidades que dependem do fluxo turístico para sua subsistência. O impacto da pandemia é tamanho que especialistas esperam que levem anos, e não meses, antes que o turismo retorne aos níveis anteriores à pandemia.

No ano passado, as três principais aéreas do país somaram um prejuízo de mais de R$ 20 bilhões, segundo a ANAC. A tendência negativa continua em 2021: no primeiro semestre deste ano, a receita das aéreas recuou em 53%.

Para promover um equilíbrio entre as demandas dos consumidores que não se sentem confortáveis em viajar, e garantir certa estabilidade financeira às companhias aéreas, o governo federal sancionou, em agosto de 2020, a Lei nº 14.034/2020 que dispõe sobre “medidas emergenciais para aviação civil brasileira em relação à pandemia de Covid-19”.

O que diz a lei

A nova normatização vale para voos entre 19 de março de 2020 e 31 de dezembro de 2021 e se refere, exclusivamente, aos efeitos da pandemia causada pelo novo coronavírus. Confira:

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Ou seja, se a mudança partir da companhia, por cancelamento ou remarcação de voo para outra data, o passageiro tem direito a solicitar o reembolso integral, sem pagar nenhum tipo de taxa. Porém, se o desejo de não embarcar partir do viajante, ele pode pedir o dinheiro de volta, mas está sujeito ao pagamento de eventuais multas. No caso do crédito, independente do motivo, a companhia deve reverter o valor integralmente.

Como explica o advogado Ricardo Fenelon, especialista em aviação, infraestrutura e regulação e ex-diretor da ANAC, a lei foi estabelecida para atender o período de exceção que estamos vivendo. “Foram adicionados benefícios que as pessoas normalmente não têm. Um exemplo é o direito de desistir da passagem e receber o valor integral em formato de créditos, e poder usá-los em até 18 meses”, ressalta.

Além disso, o crédito deve ser concedido em até 7 dias desde o pedido, por escrito, e dá o direito ao passageiro de comprar uma nova passagem, que pode ter origem, destino, preço e até passageiros diferentes da original.

Outro detalhe importante é com relação à chamada “correção do INPC”. A sigla, que reduz o nome Índice Nacional de Preços ao Consumidor, representa um índice de correção monetária, e serve para atualizar o valor da moeda.

Como o passageiro deve esperar até 12 meses para receber o reembolso, “a ideia não é que ele tenha algum ganho, e sim que, por causa do tempo determinado, ele não tenha nenhum prejuízo”, explica Fenelon. “É uma tentativa de recompor o valor da moeda, que varia de acordo com a inflação”, completa.

comissário de máscara
No ano passado, as companhias aéreas chegaram a reduzir 90% dos voos domésticos e quase 100% dos voos internacionais, provocando uma queda brusca nas vendas de passagens nos meses de março e abril
Vencer pelo cansaço

A legislação é clara, como explicam especialistas em direito do consumidor. A aplicação, no entanto, não funciona exatamente como no papel. “As companhias aéreas também estão convivendo com o prejuízo, mas nessa relação entre o consumidor e a empresa, o viajante é a parte mais fraca”, adianta o advogado Afonso Morais, sócio fundador da Morais Advogados Associados e especialista em recuperação de crédito empresarial.

“Hoje, muitas empresas e companhias estão criando dificuldades nesse processo. Mas, é mais fácil resolver esse problema diretamente com a empresa, com menos incômodo para ambas as partes. Porque, se houver a judicialização dos casos, o prejuízo será maior, e haverá um número excessivo e mais demora nos processos”, completa.

Fábio Schwarzstein, de 30 anos, se mudou para o Peru pouco tempo antes do início da pandemia, e conta que, como volta e meia precisa retornar ao Brasil, acumula algumas experiências ruins. A mais incômoda, segundo ele, foi em um voo para voltar para a casa durante a época de Carnaval este ano.

“Todo o processo foi muito custoso. Eles colocam um telefone e não atendem, te mandam de uma área para outra, a ligação cai, não tem e-mail de contato e você fica sem esse registro. Eu abria chamado, eles fechavam sem resolver meu problema. Foi muita dor de cabeça”, lembra.

Embora tenha conseguido a remarcação, Fábio calcula que tenha gastado, no mínimo, oito horas nesse processo. Sem contar com os custos de ligações internacionais que precisou fazer para a companhia aérea brasileira. “Parecia que eles queriam me vencer pelo cansaço, ou me fazer perder o prazo”, acredita.

O dobro da passagem

Além das horas a fio aguardando para receber atendimento, João Pedro Vergara, de 25 anos, ainda não conseguiu usar os créditos de uma passagem aérea para São Paulo. Com a validade de 18 meses, eles estão quase vencendo.

“Eu comecei a pesquisar passagens para o Rio de Janeiro, e quando entrava no site, encontrava opções por R$ 200. Na hora de pagar com os créditos que eu recebi, o valor do mesmo trecho subia para quase R$ 400. Não tem cabimento isso”, compartilha.

Ele procurou o chat da empresa que vende milhas, que alegou que a tarifa que ele estava buscando não o autorizava a remarcar o voo, por isso ele teria que pagar a diferença. “Eu praticamente teria que pagar uma passagem nova. No fim, ficou por isso mesmo, e eu passei a dar esse dinheiro como perdido”, desabafa.

Segundo a advogada Thaís Oliveira Arêas, coordenadora da Área Cível no escritório FCQ Advogados, em Campinas (SP), as mesmas regras aplicadas às companhias aéreas valem para as empresas intermediárias.

“Empresas que atuam como intermediadoras entre os passageiros e a companhia aérea respondem, nos termos do Código de Defesa do Consumidor, solidariamente por falha na prestação de serviços, portanto, também são afetadas por essa legislação e poderão ser cobradas, pelos consumidores, administrativa ou judicialmente”, explica.

A quem recorrer?

Caso um passageiro se sinta lesado pela solução ou o tratamento oferecido pela companhia, a recomendação é que ele busque a plataforma Consumidor.gov.br, canal disponibilizado pela Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) e recomendado pela Anac para reclamações contra empresas aéreas.

“Se, ainda assim, não tiver sua solicitação atendida, poderá recorrer ao Judiciário, buscando provimento jurisdicional que condene a companhia aérea ao pagamento de indenização por danos materiais e, a depender do caso, também morais”, elucida a advogada Thaís Oliveira Arêas.

Árbitro da Câmara de Mediação e Arbitragem Especializada (CAMES), o advogado Ricardo Fenelon também ressalta a importância da conciliação e da mediação como meios de solucionar conflitos pela via da negociação entre passageiros e companhias aéreas. “Esses métodos alternativos de resolução costumam ser mais rápidos e bastante eficazes”, defende.

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