Casal embarca em motorhome e conta a experiência de viver sobre rodas
Lucas e Maíra deixaram seus empregos e endereço em São Paulo para conhecer o Brasil de carro, sem data para voltar para casa
atualizado
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Viajar pelo mundo com uma casa nas costas pode parecer um sonho inalcançável, exclusivo de almas livres e extremamente corajosas. No entanto, não é segredo que o isolamento social, imposto pela Covid-19, aguçou os desejos de nomadismo até do mais ávido amante da rotina. A liberdade de pegar suas coisas e cair na estrada pode parecer um projeto utópico, mas o casal Maíra Reis e Lucas Sampaio decidiu torná-lo realidade.
A decisão de trocar a rotina caótica em um grande centro urbano para viver a experiência de conhecer o Brasil inteiro sobre quatro rodas virou um plano concreto. Após um bom tempo de reflexão, eles pediram demissão de seus empregos em São Paulo, deixaram o aluguel do apartamento e “se mudaram” para um motorhome, abraçando um novo estilo de vida: com uma “residência móvel”, sem endereço fixo e sem data para voltar para casa.
Com o nome “Adiantes”, o projeto ganhou identidade. Há pouco mais de sete meses na estrada, o casal já visitou 19 estados, no Sudeste, Centro-Oeste, Norte e Nordeste. Em cada passo da estrada, eles cultivam lembranças memoráveis. Depois de deixar o solo paulista, o casal já cruzou Minas Gerais, entrou no Nordeste pela Bahia e explorou paisagens banhadas pelo rio São Francisco.
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Em seguida, partiram para o Norte, onde conheceram as dunas, fervedouros e rios que compõem o leque de atrações do Jalapão, um dos destaques do Tocantins. De lá, partiram para o Centro-Oeste, passando por destinos como o Parque Terra Ronca, a Chapada dos Veadeiros e a capital federal. Agora, eles estão no Sul, e se encantaram pelo litoral e pela serra catarinense.
Desde o início, o modelo minimalista do motorhome era etapa crucial no desenho de conhecer cada pequeno tesouro em território brasileiro. “Os parques nacionais e estaduais espalhados por todo o país foram destinos recorrentes também para conciliarmos os atrativos de beleza natural que buscávamos com o distanciamento social necessário”, compartilhou Lucas.
Em tempos de pandemia
No entanto, quando as preparações para a partida estavam a todo vapor, a pandemia chegou como uma surpresa. Os respectivos empregos já estavam para trás, o carro comprado e em plena adaptação interna (móveis, isolamento térmico, hidráulica e elétrica). A partir dali só havia um caminho a seguir: em frente ou adiante, como o próprio nome do projeto faz referência.
É natural que o projeto tenha necessitado adaptações. A data de início da viagem mudou do início de maio de 2020 para o meio de agosto, enquanto eles acompanhavam o cenário da pandemia no país. O trajeto também sofreu alterações e os planos de desbravar o continente sul-americano foram adiados até segunda ordem. Como resultado, a experiência ganhou mais calma e tranquilidade, em períodos maiores nos diferentes destinos brasileiros.
Moradia adaptada
O casal ganhou um tempo necessário em meio a tamanha lista de desafios e novidades. Entre os aprendizados, Lucas coloca no topo a necessidade de se adaptar a um novo estilo de vida. “Nossa primeira casa própria foi itinerante”, pontua. É no carro que eles dormem, viajam e fazem as refeições — garantindo, inclusive, o distanciamento social tão necessário.
Como a ferramenta mais importante do quebra-cabeças, o automóvel escolhido precisou passar por mudanças para deixar de ser apenas um veículo e ganhar a característica, também, de moradia. A primeira delas foi uma barraca de teto, confortável para as noites de sono. Boa parte da região interna do veículo também foi alterada. Os bancos e o porta-malas deram espaço para um sofá cama adaptável, geladeira, pia, reservatório de água e vários armários para poder estocar alimentos.
O toque final ficou por conta do decór afetivo, orquestrado por eles. “Acompanhamos outros viajantes e discutimos cada detalhe, desde a organização dos equipamentos, cor da madeira, estofado, a parte elétrica e hidráulica”.
Histórias emolduradas pelo rio
Entre algumas das experiências mais marcantes, Lucas e Maíra relatam os encontros com pessoas de diferentes estados do Nordeste, que tem características diferentes — mas cultivam um relacionamento próximo, cada um à sua maneira, com o rio São Francisco.
“Ao longo da estrada, é incrível admirar as mudanças de paisagens no Nordeste. Uma hora, você se vê cercado por praias de areia fofa. Depois, está no meio de cenários áridos”, relata.
O litoral potiguar também foi um espetáculo à parte, famoso pelas belezas de suas muitas praias, quase sempre de águas cristalinas e mornas. Já em Sergipe, a história ganhou vida em contato com as lendas do cangaço. Lá, fica a Grota do Angico, na área onde Lampião e seu bando foram pegos. Há guias que contam a história em detalhes.
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“Você fica verdadeiramente imerso no enredo. Nos ensinaram sobre as plantas do lugar, a história dos cangaceiros e sobre como eles viviam. Ficamos bastante reflexivos — nos questionamos se eles eram revolucionários ou vilões”, compartilha Lucas.
Na Bahia, conhecer as Dunas de Casanova foi uma experiência marcante. Entre as areias brancas, o destino guarda fios de água doce e límpida, em contraste com o calor típico do Nordeste e o vento suave que toma conta do lugar.
Nas cavernas e chapadas
Descendo do oeste baiano, a primeira parada foi o impactante Parque Estadual Terra Ronca. Por lá, descansam algumas das maiores cavernas da América Latina. O nome é uma referência ao som que ecoa dos rios que atravessam as cavernas, e do barulho das cachoeiras que despencam no interior das grutas.
O lugar é um misto de mistério, natureza intocável e um mundo subterrâneo que parece ter se formado à parte do restante do planeta.
De lá, partiram para São Jorge, na Chapada dos Veadeiros. “É um cenário impressionante. Desde o tamanho das cachoeiras até a organização e preparo do Parque Nacional para receber os visitantes”, pontua Lucas.
Amigos pelo caminho
Tão importantes quanto as experiências e destinos, Lucas e Maíra destacam a amizade que fizeram com os nativos dos locais que visitaram. Em Minas Gerais, por exemplo, o dono de um camping alegrou-se tanto em recebê-los, que decidiu nem cobrar pela estadia, porque estava feliz apenas em ajudá-los na trajetória.
“Esse encontro com pessoas que estão querendo te ajudar, da maneira mais sincera possível, é uma troca muito marcante. Muitas experiências, momentos, cantos e pessoas já inesquecíveis estão naturalmente vindo ao nosso encontro enquanto caminhamos pelas regiões que sempre sonhamos conhecer no Brasil”.
Viajando neste estilo
Durantes os quase cinco meses de preparação antes de cair na estrada, Lucas e Maíra consultaram diversos sites, redes sociais e aplicativos que reúnem donos de motorhomes, em busca de informações sobre as adaptações no veículo, melhores lugares para acampar, estradas indicadas para percorrer e dicas do que levar a bordo.
Tamanho preparo foi fundamental para garantir a segurança deles durante o longo período de viagem. O casal também fez viagens em trajetos menores, para se adaptar às particularidades do carro, e aprenderam sobre como fazer pequenos ajustes elétricos e hidráulicos. No último fim de semana, eles lançaram um site com dicas.
“Determinar o ritmo de uma viagem como essa é aproveitar tudo de bom que ela traz, com calma e leveza; sem nos pressionarmos com datas, horários e locais pré-definidos. Desta vez, deixamos muito mais espaço para o imprevisto e para o inédito”.
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A convivência e a organização também se mostraram exercícios diários na vida sobre rodas. Além de toda a adaptação aos espaços reduzidos e às adversidades e mudanças que se apresentam pelo caminho, também é necessário desenvolver ainda mais as habilidades de convivência.
Eles precisaram se readaptar a um modelo minimalista, sem alguns detalhes da vida cotidiana, que não são para todo mundo. Até na alimentação, foram necessários alguns ajustes até para comer na estrada. Atoleiros, pneus furados e o trato com alguns mecânicos com diferentes modos de enxergar os problemas também são experiências de constante aprendizado, segundo Lucas. Segundo o engenheiro agrônomo, “a experiência é para qualquer um que estiver disposto a vivê-la”.
Embora a lista de desafios seja extensa, os aprendizados certamente compensam. “Muito do que queremos levar é essa simplicidade que você vê nas pessoas — para resolver problemas, enxergar novas visões e ter outras perspectivas. É sobre começar a ouvir de fato. Se sairmos dessa jornada como pessoas melhores, já valeu muito a pena”.