Readequação vocal para pessoas trans: saiba o que é e quanto custa
Ao Metrópoles, o otorrinolaringologista Guilherme Catani dá detalhes de como a cirurgia é feita, quais os riscos e quanto custa
atualizado
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O processo transsexualizador é um divisor de águas na vida de um pessoa transsexual. Mas assumir a forma física com a qual você realmente se identifica também é sinônimo de enfrentar uma série de mudanças que impactam a saúde física e mental.
A transformação engloba desde a troca de roupas até o uso de hormônios que interrompem ou estimulam o crescimento de pelos, ou até mesmo as cirurgias transsexualizadoras. A voz, porém, sempre pareceu um problema para pessoas transgênero.
Em entrevista ao Metrópoles, a ginecologista Giani Cezimbra conta que a voz, em muitos casos, pode representar um “problema” sem solução. “Quando se passa pela fase da adolescência, mudanças hormonais acontecem e características do sexo começam a aparecer com mais força”, disse.
Isso quer dizer que a pessoa do sexo masculino desenvolve, por exemplo, pelos no rosto, o pomo-de-adão e também uma voz mais grave. No caso das pessoas de sexo feminino, os pelos no rosto não aparecem e a voz ganha características mais agudas. “Reverter isso na fase adulta, só com hormônio, nem sempre traz resultados satisfatórios”, salienta Cezimbra.
Autoaceitação
A estudante de direito Laura Madel conta que passou por sua transexualização nos últimos dois anos e enxergou isso como uma forma de enfrentar a si mesma:
“Durante a pandemia, tive o privilégio de ficar em casa e eu acabei sendo forçada a enfrentar isso. Eu não conseguia mais deixar de lado qualquer questão quanto à minha identidade, tinha que conviver com aquilo o tempo todo”, ressalta.
Ao se entender como uma pessoa transgênero, Laura conta que passou a estudar mais sobre o tema e procurar alternativas para “resolver isso”. De acordo com ela, tudo foi feito com o intuito de encontrar o mínimo de conforto consigo mesma, já que a baixa autoestima era um sentimento comum para ela que, por muito tempo, “sentia que tinha alguma coisa errada”.
Além da hormonioterapia que traz mudanças para o corpo de um modo geral, a estudante conta que percebeu pouca alteração em sua voz. Parte da sua identidade, a voz é uma característica única de cada ser humano. “Você consegue distinguir uma pessoa pela voz”, comenta Madel. Durante seu processo de descoberta, a jovem relata que enfrentou, além do preconceito quanto à sua identidade de gênero, vergonha da própria voz.
“Minha voz me deixava muito desconfortável. Eu ficava me reprimindo, tentava falar menos, mais baixo e falar rápido para não ter muito contato com a minha voz…”, conta a jovem de 23 anos.
A voz e a identidade
Para a voz, o médico otorrinolaringologista Guilherme Catani conta que nenhum processo transexualizador é igual e não existe ordem dos procedimentos a serem feitos. Pesquisador desse tema há mais sete anos, o profissional foi pioneiro do método de readequação vocal para pessoas trans no Brasil.
“Não existia nada na literatura sobre o tema, até que recebi, em meu consultório uma mulher trans que procurava por essa cirurgia, com a intenção de deixar a voz dela mais feminina e eu não sabia como fazer. Então, passei a estudar sobre o tema e encontrei uma especialização na Inglaterra e fui fazer”, conta em entrevista ao Metrópoles.
Segundo Catani, quando uma pessoa trans chega em seu consultório com o intuito de mudar a voz, há diferentes caminhos a serem seguidos para atingir esse objetivo. “A cirurgia acaba se tornando uma exceção”, explica. O médico conta que, no caso de homens transgênero, a hormonioterapia junto ao trabalho com uma fonoaudióloga, já apresenta resultados satisfatórios.
“Para mulheres trans, o hormônio não funciona bem. Primeiro, a gente encaminha para a fono e, se não houver o resultado desejado, então tratamos como caso cirúrgico. A testosterona na masculinização da voz funciona bem, mas os hormônios femininos e o bloqueador de testosterona não reverte a voz tão grave”, explica
Esse foi o caso de Laura que, apenas com os hormônios, não atingiu ao tom de voz desejado. “Eu fiz glotoplastia, uma das cirurgias para mudar a voz”, conta. “Ainda que o processo de recuperação seja lento, eu já consigo perceber bastante diferença na forma como lido com a minha voz”, disse.
“Agora eu sou bem mais extrovertida e isso me fez ver que eu não tinha um problema de autoestima, mas uma disforia de gênero mesmo. Eu estou conseguindo me expressar melhor e de forma mais clara o que eu quero. Isso, para mim, tem sido uma experiência proveitosa, conseguir falar o que eu quero sem ter que me intimidar pela minha própria voz”.
O que é a cirurgia?
Em entrevista ao Metrópoles, Catani dá detalhes de como a cirurgia é feita, quais são os seus ricos, onde fazer e se há oferta do procedimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Com um livro recém lançado, ‘O guia de readequação vocal para pessoas trans’, o médico conta em uma linguagem simples e acessível os detalhes da cirurgia.
Quando a pessoa quer passar pela readequação vocal, quais são os passos?
Primeiro a gente vê se ela já chegou a fazer a terapia vocal. Se nunca fez, a gente sugere que ela faça alguns exercícios de voz para ver se com a fono ela só consegue atingir uma voz satisfatória e não precisa da cirurgia. Se ela já passou pela fono e não conseguiu o resultado que deseja, ai fazemos o exame completo, ver como é que está a estrutura da prega bucal.
A gente consegue medir a voz pra ver com que frequência essa voz está vibrando. E aí eu explica o procedimento cirúrgico, dos riscos, os benefícios e é uma decisão em conjunto. Sempre converso com as minhas pacientes, pois é uma parceria que a gente está fazendo. Eu vou fazer o meu melhor e eu quero que você faça o teu melhor no pós-operatório com cuidados que eu vou te orientar.
Como é feita a cirurgia?
No caso do homem trans, a gente usa a chamada tireoplastia, onde são feitas três incisões na cartilagem. Sem encostar na prega vocal e, com isso, a gente consegue deixar a prega vocal menos tensa.
Eu gosto de fazer uma analogia com a corda do violão. Quanto mais esticada a corda do violão, mais agudo é o som. Se a gente solta um violão da presilha das cordas, a voz fica fica mais grave. É a mesma coisa na prega vocal. Então pra deixar a voz mais grave a ideia é soltar um pouquinho a ‘presilha’ e deixar a prega vocal menos tensa e com isso a voz ficar mais grave.
No caso da mulher trans, a gente tem duas possibilidades: a tireoplastia tipo quatro e glotoplastia. A segunda é a que a gente mais tem feito atualmente e a cirurgia consiste em ‘diminuir’ as pregas vocais. Então, diminui o tamanho da prega bucal com suturas e, com isso, a gente deixa a prega mais curtinha, vibrando num som mais agudo.
Esse tipo de cirurgia tem algum risco?
Bom o que a gente fala dos riscos são é a glotoplastia, nesse processo de feminização, pode perder um pouco da potência da voz e ficar um pouquinho sem potência, às vezes, se ela for gritar ou tentar falar um pouco mais alto. Às vezes o grito não vai ser tão alto como era antes.
E em alguns casos, a gente não sabe exatamente o porquê, a pessoa ganha um pouquinho de rouquidão, mas bem leve. A maioria das minhas pacientes acham essa rouquidão charmosa e bem característica da voz feminina, portanto elas não têm queixa dessa rouquidão pois ela não atrapalha a comunicação.
Há algum período ou idade indicada para realizar essa cirurgia?
Não. Qualquer idade esse tipo de cirurgia pode ser feita, eu já operei pacientes com 20 anos e também pacientes com 60.
Qual a média de valor?
Varia entre R$ 20 mil e R$ 25 mil – contanto com internação, anestesista, procedimento cirúrgico e todo o resto.
Onde é possível fazer essa cirurgia?
Eu sei que não existe profissional que faça essa cirurgia em Brasília e nem Goiás pois atendo muitos pacientes desses estados. Aqui em Curitiba, onde atendo, eu faço e sei que em São Paulo também é possível fazer.
O SUS oferece esse procedimento?
Existe uma previsão legal, existem também cinco centros no Brasil que fazem essa cirurgia pelo SUS. Mas, às vezes, não existe médicos capacitados nesses hospitais e com treinamento para fazer esse procedimento. Mas existe uma previsão legal, sim.