Racismo cosmético: até quando as marcas vão excluir a pele negra?
O portal conversou com influencers e especialistas, que comentaram sobre a falta de maquiagem para pele negra no mercado; veja detalhes
atualizado
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Quem acompanha o mundo da maquiagem sabe que os lançamentos de novos produtos geram expectativa e ansiedade. No entanto, basta acompanhar as redes sociais para perceber que a oferta de algumas marcas não abrange todos os públicos, em especial pessoas de pele negra.
Influenciadoras que fazem resenhas de produtos de maquiagem frequentemente destacam uma realidade desafiadora: apesar de existirem opções para peles negras, muitas ainda enfrentam dificuldades em encontrar tons de bases, pós ou corretivos que combinem perfeitamente com seu tom de pele. Isso destaca a necessidade de maior inclusão e diversidade no mercado de cosméticos.
Em conversa com o Metrópoles, a influencer Carolinne Gonçalves, que fala sobre beleza, moda e autocuidado nas redes sociais, diz que a falta de produtos específicos para o seu tom de pele impacta diretamente a produção de conteúdo. Isso porque ela nem sempre consegue testar e recomendar os itens.
“Essa limitação faz com que o conteúdo se torne menos preciso, além de gerar mais tempo na busca por alternativas para se adequar em alguma tendência. Outro ponto é que dificulta o processo de dar dicas confiáveis e efetivas, pois o resultado pode variar de uma pessoa para outra.”
Para a produtora de conteúdo e jornalista de moda e beleza Larissa Cunegundes, a busca por produtos de maquiagem do seu tom de pele é relativamente fácil. No entanto, quando se lança uma marca focada em beleza, é essencial que tenha um propósito voltado para a diversidade.
“Sou uma mulher negra de pele clara, então tenho certa facilidade na hora de encontrar produtos. Porém, recentemente, testei o protetor solar e fiquei um pouco chocada. Tinham disponíveis apenas cinco tons: três para peles brancas e dois para tons mais escuros, mas sem opções intermediárias.”
A visão de uma maquiadora profissional
O trabalho de uma maquiadora consiste em realçar a beleza natural das pessoas por meio da maquiagem. A brasiliense Raquel Angel, educadora de beleza e especialista em pele negra, relata ao portal que tem acompanhado uma melhora das marcas em relação à inclusão de produtos para pessoas negras.
A grande questão, segundo ela, é que o catálogo pode ser ampliado, pois ainda existem produtos, principalmente base, pó translúcido, iluminador e batons, que são destinados somente a uma parcela da população. Sendo assim, não ficam harmônicos na pele negra.
“As marcas começaram a enxergar que pessoas negras também se maquiam. Quando eu comecei na área, encontrei pouquíssimas marcas que tinham produtos que não acinzentavam. Quando isso acontecia, era uma festa, e eu já compartilhava com todo mundo”, relembra.
“Não existem tonalidades suficientes”
Para Raquel, o maior desafio em trabalhar com peles negras é a adaptação de produtos para diferentes tonalidades. “Muitas vezes não têm tons que ficam harmônicos com as belezas negras. Então, recorro a boa e velha mistura de produtos para conseguir ter um resultado que, para peles claras, é de fácil acesso.”
De acordo com a maquiadora profissional, existe uma área que precisa de maior necessidade de inovação e investimento para atender bem as peles negras. “Falo dos pós soltos, pois o mercado ainda produz certos tipos de produtos que acabam acinzentando a pele.”
Maioria no Brasil, minoria no mercado de beleza
O Metrópoles também conversou com o dermatologista André Moreira para entender mais sobre as características da pele negra. De acordo com o profissional, a pele negra é uma pele que, apesar de ser dita como resistente, é mais sensível por conta da perda de água naturalmente.
Isso é uma questão que não só as marcas de maquiagem deveriam levar em consideração, como também o consumidor. Para ele, a indústria da beleza não amplia seu portfólio porque “lê que não existe comprador.”
“O desinteresse das marcas é um reflexo do capitalismo. Se é lido que não existe comprador, não vai ser disponibilizado produto. O cenário até tem mudado, mas ainda tem traços do capitalismo que enxergam a população preta como marginalizada e sem dinheiro.”
Saúde mental
O dermatologista afirma que uma das questões que mais estuda e atende em seu consultório é manchas na pele. Embora existam tratamentos para amenizar o problema, há paciente que opta por não fazê-los, precisando recorrer a maquiagens. No entanto, a falta desses produtos, principalmente para peles retintas, é um problema.
“Enquanto eu não consigo resolver o problema do meu paciente, faltam, sim, produtos para cobrir, disfarçar e melhorar manchas. Tem estudos que comprovam que ter a pele sem marcas traz autoestima. Então, quando a gente não consegue resolver esse problema, isso pode impactar a saúde mental do indivíduo.”
Para André, a evolução do mercado depende da indústria. “A gente tem uma capacidade de distribuição interessante e precisamos do apoio dos grandes. Tem iniciativas muito interessantes acontecendo, mas, mais uma vez, precisamos de dinheiro, precisamos do interesse de quem tem dinheiro para fazer tudo crescer.”
Racismo cosmético
A fala do dermatologista André condiz com a visão da influencer Carolinne, que acredita que o racismo cosmético explica essa lacuna no mercado de cosméticos. Esse termo descreve a falta de opções adequadas de produtos para pele negra, resultante de preconceitos históricos na indústria de beleza.
“Mesmo a pele negra sendo maioria no Brasil, muitas marcas ainda não investem o suficiente em pesquisa e desenvolvimento para esse público. Outro fator que perpetua o racismo cosmético é a concentração de produtos para pele apenas em grandes centros urbanos, deixando grande parte da população negra desatendida.”
“Apesar dos pesares…”
Para a jornalista de moda e beleza Larissa, o mercado brasileiro tem um longo caminho a percorrer. No entanto, há ótimas referências no setor de beleza, como Bruna Tavares, uma das pioneiras nesse mercado, que apresenta uma cartela de tons e texturas bem diversa.
“Outras marcas que se destacam são a Vic Beauté, da jornalista e produtora de conteúdo Vic Ceridono, e a Paisage, lançada recentemente por Julia Levenstein, que traz produtos versáteis e multifuncionais.”
Carolinne lista a Boca Rosa Beauty, que desenvolveu linhas com uma ampla gama de tons de bases, contando com a consultoria de especialistas como Tássio Santos, referência em pele negra. Além disso, marcas do grupo L’Oréal Brasil têm promovido campanhas e produtos que reforçam essa representatividade.
“No cenário internacional, a pioneira Fenty Beauty teve grande impacto, inspirando outras marcas a oferecerem uma maior variedade de tons. Esse movimento, aliado ao trabalho de marcas como Negra Rosa, representa uma evolução importante, embora ainda haja espaço para mais inclusão e investimentos”.
O que ainda falta?
Questionadas sobre o que ainda falta para que as marcas de maquiagem ofereçam produtos verdadeiramente inclusivos e diversos, Larissa e Carolinne destacam a importância de investimentos em pesquisa e desenvolvimento, com a participação ativa de profissionais e consumidores negros.
“Ter pessoas dentro das marcas que realmente possam trazer diversidade é essencial. Diversidade não é apenas escolher uma pessoa negra para estampar a campanha da sua marca. Como sempre falo nas minhas palestras: diversidade começa de dentro para fora, trazendo pessoas com autoridade e vivência para falar sobre o tema e compartilhar nossa perspectiva de mercado”, finaliza Larissa.