“Nutricionista Gordo” explica por que a chef Paola Carosella foi cancelada
Erick abraçou o aparente contrassenso entre a profissão e o próprio peso para desconstruir a ideia de que as pessoas têm culpa da obesidade
atualizado
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Na semana passada, a chef Paola Carosella causou revolta nas redes sociais ao afirmar que o consumo de alimentos processados “nos torna obesos”. Semanas antes, Rita Lobo, colega de profissão da jurada do MasterChef, experimentou um breve cancelamento por ter se posicionado de forma semelhante.
Os episódios geraram uma série de debates na última semana, sobretudo em perfis de ativistas e influenciadores que lutam pelo fim da gordofobia. Nem todo mundo entendeu o que tinha de errado no comentário das chefs, mas Erick Cuzziol, conhecido como Nutricionista Gordo nas redes sociais, explica: os internautas estão começando a desconstruiu o debate, ainda superficial, sobre os fatores externos que levam à obesidade e os efeitos nocivos de certos alimentos não só para pessoas gordas, mas para todos os corpos.
“São falas que fazem as pessoas acreditarem que só estão gordas porque comem ultraprocessados, como Miojo, salgadinho, bolacha. Mas esses alimentos estão adoecendo todo mundo. A sociedade sugere que quem está magro come bem. E aí mora o perigo. Será que a pessoa magra, que come ultraprocessados, não carrega questões de saúde mesmo sendo magra? Será que ela está ‘protegida’ só por ser magra?”, questiona o profissional.
Lan, gordofobia é um problema sério, como são todos os preconceitos. Mas não podemos ignorar que 57% dos brasileiros estão com excesso de peso e o crescimento da obesidade é diretamente ligado ao aumento do consumo de ultraprocessados. Trabalho há 5 anos com o @NUPENS_USP (cont.) https://t.co/slo3Xt6qff
— Rita Lobo (@RitaLobo) July 2, 2020
Experiência pessoal
Esse raciocínio, segundo o profissional, promove uma cultura de culpabilização das pessoas gordas, experiência que ele conhece bem. Ele batalha com o próprio peso desde a infância, e passou a vida ouvindo comentários preconceituosos, que lhe acusavam de más escolhas alimentares. A situação se agravou a partir da definição de qual carreira seguiria.
“Mesmo explicando que estamos fazendo todo o possível, somos considerados fracos, displicentes e até mentirosos. Decidi ser nutricionista para encontrar respostas. Na época, falava-se muito pouco nos demais fatores culturais, ambientais, comportamentais e genéticos que levam à obesidade. Hoje, essa ideia vem sendo desconstruída”, diz o nutricionista.
Dados do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo apontam que 40% a 60% das pessoas com obesidade têm a doença por origem genética. Isso significa ter propensão a engordar, mesmo que o consumo de calorias não seja exagerado. Alguns fatores ambientais, como a poluição e o uso excessivo de tecnologias, aumentam a dimensão do problema.
Atestado de incompetência
Formado, a aparência do profissional foi considerada por recrutadores como um “atestado de incompetência”. “Eu era consciente da dificuldade que eu enfrentaria, mas não do tamanho do preconceito. As pessoas realmente acreditavam que só pelo fato de ter estudado nutrição eu resolveria o meu peso. ‘Como você poderia trabalhar aqui sendo nutricionista e gordo? O que diria às pessoas?’ eram algumas das perguntas que eu recebia”, relata.
Com as portas fechadas no mercado, o nutricionista se afundou em problemas financeiros. O pai, um homem magro, começou a ter uma série de complicações, em virtude do colesterol alto, e precisou parar de trabalhar na empresa da família. Foi então que o paulistano entrou em depressão, passou a comer compulsivamente e pensou em tirar a própria vida.
“Meu peso só aumentava, e todo profissional da área da saúde sabe que, quando perdemos o controle de forma brusca, o metabolismo desestabiliza gravemente. As minhas pernas mostravam uma circulação já prejudicada, a respiração se tornou muito difícil e não era possível resolver o problema com dieta. Eu precisava de algo que pudesse me tirar, pelo menos, da situação de descontrole do quadro, para poder recomeçar e assim foi que eu escolhi a bariátrica”, conta.
Foi quando ele descobriu que o preconceito e a responsabilização das pessoas com a obesidade continuam, mesmo quando elas emagrecem.
No caso de Erick, embora a cirurgia tenha lhe devolvido a vontade de viver, os constrangimentos em entrevistas de trabalho não cessaram. “Quando sabem que eu emagreci ganho admiração, porém sempre deixo claro que foi por causa da bariátrica. A feição muda e a expressão que eu vejo é de desprezo“, desabafa.
Nutricionista Gordo
Defensor de uma mudança de postura a respeito do assunto, inclusive por profissionais da área, Erick decidiu abraçar o rótulo de nutricionista gordo, que tantas vezes foi motivo de piada para colegas de profissão, e debater o assunto nas redes sociais.”É comum receber críticas dos colegas, acham que estou ‘defendendo a obesidade'”, afirma.
“Mas a obesidade é comunicada à sociedade como uma falha de comportamento da pessoa. E não pode mais ser ser assim. A pessoa tem sua parte no processo, mas, sozinha, ela não conseguirá vencer todo um sistema que precisa mudar urgentemente. Em 2013, a Organização Mundial da Saúde classificou a obesidade como doença, alegando que isso protegeria as pessoas, daria a elas mais acesso à tratamentos. Isso não aconteceu”, emenda.
Em sua opinião, essa problemática faz com que o assunto seja debatido sempre na esfera do preconceito e do ódio nas redes sociais. Muitas vezes, o alvo é equivocado.
“Na mentalidade de Paola Carosella e de Rita Lobo, as pessoas estão condicionadas a comer alimentos de baixa qualidade e, por isso, são gordas. Mas o foco precisa ser alertar a sociedade do que é essencial para a manutenção da saúde, além do que comem. Não é mais sobre peso”, diz.
“As chefs são vitimas do mesmo sistema que ataca as pessoas gordas. Por isso conscientizar é tão importante. Temos que cobrar é da indústria de alimentos, ir para cima dos políticos que não estão tomando posturas para proporcionar acesso a rotinas equilibradas. Essas discussões devem estar focadas nos autores dos problemas”, conclui.