“Doença celíaca causa osteoporose e até aborto”, alerta especialista
Em entrevista, o médico gastroenterologista Luca Piretta discute outras graves consequências da condição e da reação imunológica ao glúten
atualizado
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Nos últimos anos, os produtos “sem lactose” e “sem glúten” invadiram as prateleiras e cardápios dos supermercados e restaurantes. O crescimento dessa oferta veio para suprir a necessidade de pessoas com alergias, intolerâncias e problemas mais graves relacionados a esses fatores.
Isso desencadeia uma reação do sistema imunológico, que agride as células da camada superficial do intestino delgado. Com o tempo, o distúrbio vai destruindo as vilosidades do órgão, responsável por absorver nutrientes.A doença celíaca é uma reação imunológica ao glúten que causa inflamação grave no intestino e pode levar à desnutrição por má absorção de nutrientes. Nesses pacientes, partículas não digeridas das proteínas do composto – como a gliadina, presente no trigo – conseguem atravessar a parede intestinal.
Muitas dúvidas ainda pairam sobre a importância de se consumir essa substância. Principalmente, depois da alimentação sem glúten ser disseminada entre pacientes não celíacos.
Para entender melhor o glúten, conhecer as novidades sobre o assunto e desmistificar as dietas da moda, entrevistamos Luca Piretta – médico gastroenterologista, mestre em ciência da nutrição e membro da Sociedade Italiana de Ciência Alimentar – que esteve em Brasília para participar da 16ª Semana Brasileira do Aparelho Digestivo.
Quais são os principais transtornos relacionados ao consumo de glúten?
Os sintomas mais comuns estão relacionados a problemas intestinais, como diarreia, inchaço e dores abdominais. No entanto, hoje em dia, temos conhecimento de muitos outros indícios ligados à sensibilidade ao glúten e à doença celíaca. Por exemplo, é muito frequente que esses pacientes tenham anemia, alopecia (perda de cabelo ou de pelos de outras parte do corpo), osteoporose, algumas doenças dermatológicas como dermatite herpetiforme ou baixa estatura. Crianças com problemas de crescimento são frequentemente celíacas. Outro sintoma muito comum é a infertilidade com ocorrência frequente de abortos. Mulheres com dificuldade para engravidar podem ser celíacas. Então, é uma síndrome de manifestações bem variadas.
Qual seria a relação da baixa estatura com a doença celíaca?
A doença celíaca retira a possibilidade de o intestino absorver os nutrientes dos alimentos. Então, a longo prazo, o progresso da perda de absorção dos nutrientes reduz cálcio, ferro, proteína e leva à má nutrição. A consequência disso na criança é não crescer. Vale ficar atento: algumas vezes, o pequeno também tem diarreia, mas nem sempre.
Como é feito o diagnóstico da doença?
Nos anos 1960 e 1970, pensávamos que os únicos sintomas eram diarreia e problemas intestinais. Atualmente, temos um jeito mais fácil de diagnosticar a patologia – por meio de um simples exame de sangue. Mas nove entre 10 pessoas têm a doença e não descobriram ainda. Isso pode acontecer pela falta de sintomas ou porque eles vão aparecer depois. Também há casos em que o paciente só tem uma predisposição genética. Por exemplo, durante a vida, antibióticos podem alterar a permeabilidade da barreira intestinal e esse fato desencadeia o desenvolvimento da enfermidade.
E quando a pessoa passa a vida sem saber que tem a doença autoimune e continua consumindo o glúten?
Há duas possibilidades. Na primeira, o paciente não é celíaco ainda, só tem o potencial para se tornar e, nesse caso, não existe nenhuma consequência. A outra opção, é a patologia ser assintomática. Muitas pessoas têm cansaço crônico, por exemplo, e pensam que é sua maneira de ser. Quando se descobrem celíacas e começam uma dieta sem glúten, não apresentam mais o quadro.
Existe alguma cura? Há casos de o paciente passar uma parte da vida sendo celíaco e depois descobrir que não tem mais a doença…
Se a doença desaparece, há duas possibilidades: o paciente deve seguir uma dieta sem glúten ou não é celíaco e os testes eram falso positivos. Não existe alternativa diferente. Há outras enfermidades autoimunes que têm reações cruzadas com esses testes. A precisão do exame é de 90% a 95%. Por isso, quando há positividade, é preciso confirmar com uma biopsia intestinal. Isso não vale para as crianças. Elas podem ser diagnosticadas apenas com o exame de sangue.
Quais são as novidades relacionadas ao tema?
Uma vacina vem sendo estudada. No entanto, ainda não é praticável. Vai demorar muito tempo e não se sabe quando ou se vai funcionar. É para o futuro. As novidades para o momento não são ligadas à doença celíaca, e, sim, à sensibilidade ao glúten. Há uma síndrome que não é a doença celíaca, mas os pacientes não podem comer cereais com a substância, que desencadeiam sintomas de diarreia, dor abdominal ou extraintestinais, como dor de cabeça e cansaço crônico. Essas pessoas fazem o teste, a biópsia e não têm a doença celíaca. No entanto, quando tiram o glúten, melhoram os sintomas e os pioram quando o reinserem na dieta. Isso é definido como sensibilidade ao composto. Os testes não são específicos nesses casos e a solução é mudar a dieta para identificar possíveis melhoras.
O que esse paciente pode desenvolver se continuar consumindo o glúten?
Má absorção, osteoporose, fraturas patológicas dos ossos e tumor. No entanto, é difícil, em um caso assim, não seguir a dieta restrita, pois a pessoa terá muitos sintomas desconfortáveis. Esse feito (não se alimentar corretamente) só seria possível em alguém com poucos indícios. A qualidade de vida de um paciente celíaco que segue a dieta sem glúten é infinitamente melhor, em relação ao que não segue.
Analisando as últimas décadas, algum estudo mostra que o número de pessoas com sensibilidade ao glúten ou com doença celíaca está aumentando?
Claro. Na Itália e, eu acho, em grande parte do mundo, a prevalência de uma pessoa celíaca é de uma para 100. Há 20 anos, era de uma para 1.000. No entanto, provavelmente, a razão não é o aumento dos celíacos e, sim, a facilidade de se fazer o diagnóstico. E, sabendo dos muitos outros sintomas relacionados à doença, os médicos cogitam e investigam a enfermidade em pacientes que há 20 anos não procurariam. Por exemplo, naquele tempo, ninguém ligava uma dor de cabeça ao problema. Não era possível justificar.
Para quem não tem doença celíaca ou sensibilidade ao glúten, é aconselhável cortá-lo buscando o emagrecimento?
Se você não foi diagnosticado, não há lógica em evitar a substância. Essa atitude não demonstra nenhum benefício. Na verdade, pode-se gerar um problema. Tentando reduzir o glúten, se diminui o consumo de carboidrato – uma parte importante das calorias diárias. Há quem acredite que uma dieta sem o composto pode ser boa para perder peso, mas isso não é verdade. Se você tirar da dieta massas, pizza e pão vai perder peso. Mas não é pelo glúten. Existe uma grande confusão em relação a isso. Pessoas podem viver sem a substância, o problema é reduzir o carboidrato da sua dieta diária e ficar com déficit.
E pessoas não celíacas que tiram o glúten e notam uma melhora na qualidade de vida?
Diferentemente da doença celíaca, não existe nenhum teste específico para comprovar a sensibilidade ao glúten. Muita gente pode ser e não sabe. Retirar o cereal é útil para pessoas que não têm manifestações muito específicas e querem descobrir se têm a predisposição. Mas, se não melhorar, perde o sentido continuar com uma dieta sem o glúten. Há quem se sinta melhor porque evitou alguns alimentos e, não necessariamente, o problema era o composto. Existem várias outras substâncias inclusas nos cereais que podem ser responsáveis pelos sintomas. É um mundo muito complexo. Por isso, procure um médico para ser diagnosticado corretamente.