Francesa cria rede de apoio para outras mães bipolares no Brasil
No Dia Mundial do Transtorno Bipolar, conheça a história de Christelle Maillet, mulher que acolhe diariamente outras mães com bipolaridade
atualizado
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O transtorno bipolar, também conhecido como doença maníaco-depressiva, é uma condição caracterizada pela alternância súbita de humor. Dados da Associação Brasileira de Transtorno Bipolar (ABTB) revelam que o número de pessoas afetadas no país pode chegar a 6 milhões. O problema, ainda sem cura, é mais comum entre mulheres.
O desafio é ainda maior para mães e gestantes. “O ciclo reprodutivo da mulher é marcado por diversas oscilações hormonais. Os estudos mostram que isso pode ser um fator que predispõe elas a terem uma maior prevalência de transtornos de humor no período reprodutivo em relação aos homens”, elucida a psiquiatra Mônica Melo.
Ao enfrentar as barreiras da doença com um filho nos braços ou no ventre, muitas dessas figuras femininas sofrem em silêncio. Foi por isso que Christelle Maillet, francesa radicada no Brasil e diagnosticada com transtorno bipolar, criou o Mães com Humores, um espaço para falar sobre o tema, além de acolher vítimas.
Apesar da iniciativa ter nascido em 2019, a luta de Christelle contra os transtornos mentais começou ainda na juventude, quando enfrentou uma depressão. Hoje, aos 42 anos, ela relembra como foi receber a notícia de que também sofre com transtorno bipolar.
“Meu quadro começou com uma crise de depressão aos 24 anos, detectada por um médico generalista. Ao passar do tempo, a situação piorou com novas crises, até que, entre meus 28 e 30 anos, procurei psiquiatras, especialistas que me diagnosticaram com transtorno bipolar”, relata a residente do Brasil há 20 anos.
Para ela, receber o diagnóstico foi um mix de desespero e alívio. “É uma doença que dá medo, pois é rodeada de preconceitos. Contudo, conforme fui estudando, eu senti um pouco mais de alívio, porque consegui colocar um nome naquilo que sentia, mas não entendia. Aprendi que é uma doença neurobiológica, que traz grandes prejuízos se não tratada”, revela.
Impacto do diagnóstico na vida de Christelle
Christelle tem transtorno bipolar tipo II, caracterizado pela alternância entre episódios de depressão e hipomania (estado de euforia anormal), conforme explica a psicóloga Lorena Lucena. “A bipolaridade é marcada por variações de humor, podendo ir de um extremo ao outro. Os sintomas mais comuns nas mães que já atendi são os de depressão, impotência e excesso de preocupação”, lista.
No caso de Christelle, a maternidade era tudo o que ela mais queria. O sonho de ser mãe, no entanto, veio acompanhado de desafios, já que os planos dela não saíram como o esperado.
“A gravidez foi muito planejada, inclusive junto ao psiquiatra para realizar a troca de remédios. Só que nada aconteceu do jeito que eu sonhei. Sofri uma depressão pós-parto forte que se iniciou na gravidez, juntamente com os sintomas de ansiedade”, rememora.
Segundo Christelle, lidar com a maternidade não foi fácil. “Me sentia muito sozinha, com vergonha, medo e culpa dos meus sentimentos em relação ao bebê, pois não conseguia me conectar emocionalmente com ela nem na gestação, nem nas primeiras semanas após o parto”, confessa.
Mães com Humores
Depois de passar por uma gravidez delicada, Christelle deu à luz Chloé, hoje com 5 anos. Na época, a francesa recebeu o apoio de profissionais e entes queridos. Ainda assim, informações de qualidade sobre saúde mental materna, sobretudo para pacientes com bipolaridade, lhe fizeram falta.
Foi então que ela decidiu ajudar outras mulheres com o mesmo distúrbio, criando o projeto Mães com Humores. Nele, Christelle produz conteúdos, promove rodas de conversas e organiza eventos, palestras e workshops com especialistas da área.
“A iniciativa tem como propósito acolher, ajudar e apoiar mães e futuras mães para trazer conscientização, prevenção e autocuidado ao redor da saúde mental materna e dos transtornos do humor”, ressalta a francesa.
A fundadora do projeto também administra um grupo on-line de apoio gratuito para mães e gestantes com depressão ou transtorno bipolar. O espaço permite a troca de experiências e o acolhimento mútuo entre as participantes. A ideia é promover conscientização, prevenção e autocuidado sobre saúde mental materna.
“Por meio dele, eu dou voz às mulheres que não tem um espaço seguro para desabafar e trocar experiências. O grupo acontece num encontro virtual ao vivo, com inscrição prévia e sem participantes fixas. Eu faço a mediação, e os assuntos emergem das próprias necessidades expressadas pelas mulheres”, detalha Christelle.
Acolhimento, empatia e aprendizado
A criação do projeto Mães com Humores marcou a vida de Christelle, que busca quebrar os preconceitos diante das doenças mentais. Segundo ela, a troca entre as mulheres que querem se tornar mãe e as que já são é muito rica e benéfica. Empatia e gratidão são alguns dos sentimentos vividos pelas participantes.
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“O que me emociona e mostra a importância do projeto são os depoimentos das participantes. É muito bom poder planejar a gravidez e se informar adequadamente para se preparar ao turbilhão que é se tornar mãe. Quem se estabilizou traz também uma mensagem de esperança para quem ainda está na luta”, afirma.
Por meio do Mães com Humores, Christelle encontrou um propósito de vida: “É muito emocionante e gratificante ver o impacto que essa iniciativa causa nas mulheres. Minha missão é ajudar mães e futuras genitoras a enfrentar o transtorno bipolar”.
O outro lado da relação — como é ter uma mãe bipolar?
As mudanças de humor podem interferir nas relações sociais dos pacientes diagnosticados com a condição. Em casa, por exemplo, o convívio com os familiares pode piorar. Uma jovem, que preferiu não se identificar, descreve como é conviver com uma mãe bipolar.
“Ela nunca aceitou o diagnóstico. Sempre foi algo que ela quis ignorar, como se fosse algo a se envergonhar. Por escolha, não quer tratar. É desesperador a sensação de nunca ter certeza de nada, porque ao mesmo tempo que algo está indo bem, aquilo pode simplesmente virar por vontade dela. De certa forma, o transtorno afeta muito as pessoas ao redor, sobretudo os filhos”, desabafa.
Como as mulheres, em especial as mães, vivem em um contexto de sobrecarga, situações de alta irritabilidade e cansaço são naturalizadas pela sociedade. “Muitas vezes, o foco está no cuidado com o outro. Entender que não está bem pode demorar a ser percebido”, frisa a psicóloga Lorena Lucena.
Por isso, procurar ajuda é essencial para manter boas relações.
“Existem muitas mulheres passando pelo mesmo desafio de lidar com a maternidade junto com a bipolaridade. Minha experiência, como a de muitas outras, mostra que não podemos desistir. A condição não tem cura, mas tem tratamentos e cuidados. Podemos realizar nossos sonhos”, conclui Christelle.
Saiba onde encontrar outros tipos de ajuda
Além do projeto Mães com Humores, existem outras fontes de informação sobre saúde mental materna e transtorno bipolar. Confira, abaixo, opções para procurar ajuda:
- Associação Brasileira de Familiares, Amigos e Portadores de Transtornos Afetivos (ABRATA): www.abrata.org.br ou www.instagram.com/abrata_sp/
- Núcleo de Mútua Ajuda às Pessoas com Transtornos Afetivos do Distrito Federal (APTA-DF): www.instagram.com/aptadf/
- Grupo de Pesquisa em Transtornos do Humor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (GRUDA): www.instagram.com/grudaipq/