O que é ser mulher hoje? O conceito mudou e está longe da fragilidade
Se há alguns anos elas eram frágeis e desamparadas, agora são muito bem resolvidas e não dependem de ninguém para serem felizes
atualizado
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Os tempos são outros. Basta uma pesquisa rápida na internet para descobrir como as coisas mudaram: hoje, uma busca no Google te mostrará mulheres de todos os jeitos, felizes e plenas. Negras, brancas, muçulmanas, jovens, idosas, adultas. Imagens de moças se abraçando, comemorando ou mostrando força. No meio das fotos, duas ou três mulheres-maravilha aparecem, longe de serem frágeis, submissas e dependentes. São responsáveis pela própria vida e pelo próprio futuro. Parece que o jogo virou.
De acordo com a professora de História na UnB e pós-doutora em Estudos Feministas Tânia Navarro, é difícil definir o conceito de mulher do passado. Os bons exemplos de pessoas fortes, posicionadas nos cenários políticos, econômicos e sociais, acabaram apagados da história. “Não interessa ao patriarcado conhecermos exemplos positivos de atuação”, conta. Segundo ela, só em 1949, com Simone de Beauvoir, se começa a questionar o que é “ser mulher”.
“Revelou-se com clareza as raízes da exclusão delas, localizadas na construção social, a partir da dominação patriarcal, que cria e instaura o ‘ser mulher’ como uma condição ‘natural’, inferior aos homens, instáveis, frágeis, logo, exigindo dominação e controle. Ser feminina na perspectiva patriarcal é ser submissa, doce, frágil, sujeita às normas e expectativas sociais: mãe e esposa, este era o destino. Além disso, deveria ser sedutora e fogosa na relação heterossexual”, explica Tania.
Mas essa visão de fragilidade nunca foi universal: só serviu para brancas e ricas. Mulheres negras, por exemplo, são vistas como fortes há muito tempo. “A fragilidade e dependência sempre foi muito mais um ideal do que realidade, e se tornaram uma ferramenta pra manter o sexo feminino em um certo lugar. Sempre foi um conceito meio capenga, e, atualmente, é muito difícil de sustentar”, ensina Izadora Xavier, mestre em Gênero, Política e Sexualidades pela École des Hautes Études en Sciences Sociales.
Nos anos 1960, com a criação da pílula anticoncepcional e a entrada das mulheres da classe média no mercado de trabalho, o conceito de “mulher” muda ainda mais. A noção de fragilidade vai diminuindo enquanto elas vão ganhando poder e conquistando espaço na sociedade. “Segundo a autora Nancy Fraser, essa transformação virou estratégia de marketing. Existe uma dimensão na qual o contexto de vida delas mudou, mas, em outra, o feminismo só virou ‘mainstream’. Ser ’empoderada’ virou jeito de vender tudo, de absorvente a salto alto”, conta Izadora.
Segundo as duas pesquisadoras, de qualquer forma, a mudança tem relação próxima com a popularização do feminismo. As mulheres estão mais conscientes e alertas sobre os papéis que podem e devem exercer e não aceitam mais a exclusão pelo gênero. “Elas se conscientizaram em relação ao seu potencial, sua inteligência e seus poderes. Isso modificou a auto imagem e a auto representação, minimizadas e impedidas durante séculos pelo patriarcado”, afirma Tania.
Por conta dessa nova visão, até a representação vem mudando. Nas telonas, o sucesso do filme Mulher Maravilha e das guerreiras de Wakanda, em Pantera Negra, são bons exemplos de como elas se encaixam em qualquer espaço e são completamente independentes. Nada de mocinhas indefesas — são elas que salvam os homens.
Tais situações já estão muito mais próximas da realidade, mas o caminho ainda é longo. Segundo Izadora, elas ainda vivem em uma corda bamba. E as obrigações só se acumularam: é preciso trabalhar fora, mas a desigualdade nos serviços de casa ainda continuam alarmantes; a liberdade sexual é cobrada, mas não pode acontecer com exageros. Difícil é encontrar um equilíbrio, mas o cenário é, no fim das contas, otimista. “A sociedade vive uma onda conservadora, mas acho que algumas conquistas, querendo ou não, não podem ser revertidas”, afirma a pesquisadora.