Handmaid’s Tale argentino: entenda as roupas de manifestantes no STF
O protesto desta sexta-feira (3/8) foi marcado não só pelas capas vermelhas da distopia, mas também pelas echarpes verdes das hermanas
atualizado
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No primeiro dia em que o Supremo Tribunal Federal (STF) discutiu a descriminalização do aborto até a 12ª semana de gestação, um grupo de aproximadamente 10 mulheres fez uma manifestação repleta de símbolos em frente à sede do órgão. Envolvidas por capas vermelhas e com adereços de cabeça tornados icônicos pela série The Handmaid’s Tale, o grupo ainda levou consigo bandanas verdes, similares às utilizadas pelas manifestantes argentinas em julho deste ano.
A descriminalização do aborto foi aprovada pela Câmara dos Deputados da Argentina em junho de 2018, depois de uma histórica sessão de votação, com duração de 22 horas. O processo segue para o Senado, mas o cenário é animador para os manifestantes favoráveis à legalização da prática. O lenço verde foi amplamente utilizado pelas argentinas durante a mobilização nacional pela votação e se tornou um símbolo da luta feminista na América Latina.
A referência a The Handmaid’s Tale é carregada de simbolismo. Na distopia escrita por Margaret Atwood e adaptada para a televisão pelo serviço de streaming Hulu, o mundo é assolado por acidentes nucleares, lixo tóxico e uma crise de baixa fecundidade na população. Os Estados Unidos são tomados de assalto por um grupo de fundamentalistas religiosos, tornando-se Gilead, um Estado cujas leis são intimamente ligadas a prerrogativas da Bíblia, sobretudo do Antigo Testamento.
Em Gilead, o Estado legisla, basicamente, sobre os corpos femininos. São instituídas as aias, mulheres férteis que foram perdoadas por seus crimes – muitas delas são lésbicas, divorciadas ou estão no segundo casamento – e recebem uma segunda chance de Deus: poderão gerar filhos para outras famílias. Cada uma é designada a um casal estéril, e, a cada período fértil, passam por um ritual religioso em que são estupradas pelos donos das casas onde habitam. Caso engravidem, são forçadas a gerar a criança, amamentá-la e enfim dar o bebê para a esposa de seu estuprador.
A premissa violenta do romance é mais real do que imaginamos. Atualmente, no Brasil, o aborto é permitido somente em casos de estupro, anencefalia do feto ou de risco de vida para a gestante. Esses não são, no entanto, os únicos casos de interrupção de gravidez no país: a clandestinidade da prática cria ambientes inseguros e insalubres, o que eleva desnecessariamente os índices de mortandade materna.
Ao criminalizar o aborto, o Estado legisla diretamente sobre os corpos de mulheres que não querem levar uma gravidez indesejada adiante. No Brasil, assim como em Gilead, regulam-se primeiro os úteros das mulheres que ali habitam, colocando a vida, a segurança e o direito de escolha de cada uma delas em segundo plano.