Argumentos ultrapassados impedem salário igual para mulheres e homens
Chefes com medo da maternidade e crença das trabalhadoras não serem capazes são alguns dos motivos que diminuem o pagamento feminino
atualizado
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Perguntas invasivas sobre família e perspectiva de ter filhos, comentários para manter a “boa aparência”, pedido para enviar fotos de si mesma com o currículo, ser negada um emprego porque “não há vagas femininas”. O preconceito contra as mulheres no mercado de trabalho começa na entrevista e culmina em um salário desigual quando comparado ao de um colega homem que exerce a mesma função.
Até hoje um questionamento frequente dos empregadores é se as mulheres têm permissão para trabalhar. A estudante Paloma Diebe, de 19 anos, teve uma surpresa desagradável quando foi fazer uma pré-seleção de vaga como recepcionista de academia. “No final, um dos entrevistadores perguntou se os companheiros se incomodariam com elas usando roupas mais justas, como leggings, no trabalho”, conta.
Com o avanço das informações a respeito da desigualdade entre os gêneros, a conversa mudou. Não se questiona mais se esse pay gap (termo usado em inglês para o vácuo do salário feminino) existe, mas por que ele ainda é a regra nas empresas. Argumentos ultrapassados são o principal obstáculo. “A base de tudo isso é a crença de as mulheres não serem tão produtivas, eficientes e capacitadas para ter o salário igual ao masculino”, afirma Carolina Sandler, especialista em finanças femininas e fundadora do site de mesmo nome.
Quando uma mulher começa a carreira, o pagamento tende a ser equivalente ao recebido por um colega do gênero masculino. Mas, ao longo da vida profissional, ela provavelmente vai ser remunerada com uma quantia menor, indica uma pesquisa da Eurostat.
As mães, independentemente da raça, sofrem discriminação e recebem baixos salários. Um estudo da Universidade de Michigan, nos Estados Unidos, indica que elas são pagas 15% menos em comparação a mulheres com a mesma formação, mas sem filhos. Além disso, a taxa de desemprego entre profissionais do gênero feminino aumentou 70% nos últimos quatro anos no Brasil, segundo o IBGE.
As justificativas
Segundo Carolina, existem outros três grandes mitos para manter o salário desigual. O primeiro é o da maternidade, usado inclusive pelo pré-candidato a presidência Jair Bolsonaro. “Muito se fala de a profissional abandonar a empresa, mas não se olha para o fato de que a mulher, quando retoma o trabalho após a licença, volta mais comprometida e produtiva”, explica. Uma pesquisa da Microsoft, na qual empregadores comprovaram mais eficiência vinda das mães, sustenta essa realidade.
Outro argumento muito usado para justificar o pagamento mais baixo de trabalhadoras é que elas escolhem áreas com salários menores, como educação, psicologia e enfermagem. “As diferenças salariais existem em todos os campos e são gritantes. Isso é reflexo de um mercado de trabalho extremamente machista, no qual as mulheres ainda encontram muita dificuldade de subirem para cargos altos”, analisa a economista.
A ideia do homem como o único ou o principal provedor da família também atrapalha o pagamento justo das profissionais, porque minimiza o trabalho delas. “Só uma renda não banca mais o padrão de vida. O certo seria uma divisão igualitária das tarefas domésticas e um salário compatível com o trabalho de cada um”, avalia. “As mulheres ganham menos e ficam com mais responsabilidades, como cuidar da casa e dos filhos”.
Além da dificuldade de um salário justo, os gastos femininos são maiores. Produtos de menstruação entram na conta mensal e artigos de beleza e roupas são encarecidos com o pink tax (expressão usada quando preços de uma mesma mercadoria, como shampoo, são mais caros só porque são vendidos para mulheres). Engana-se quem acha que esses gastos são frutos apenas de vaidade.
“Beleza e maquiagem não são supérfluos. Muitas vezes, são essenciais para nossa cultura, que julga mulheres pela aparência”, comenta Carolina. “É uma equação complicada: elas ganham menos, gastam mais por essas questões e nas despesas da casa, usufruem de menos tempo livre e não têm a tradição de lidar com o dinheiro”. Por isso, a especialista em finanças recomenda às mulheres procurarem entender do assunto, seja com livros ou conteúdos da internet. “Nunca é tarde para aprender”, garante.
O que diz a lei?
A Constituição Federal prevê em seu artigo 7º, inciso XXX, a “proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil”. Esse direito também é confirmado no artigo 461 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
Se não for possível conversar de forma amigável com os superiores, a advogada especialista em Direito do Trabalho Carolina Tamega sugere abrir um processo. “Para demonstrar seu direito, a trabalhadora deverá comprovar o exercício das mesmas funções com produtividade e qualidade técnica iguais, ao mesmo empregador e estabelecimento empresarial”, orienta.
Caso a ocorrência de discriminação por gênero seja provada, a empregada ainda pode requerer a aplicação da multa de 50% do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social, mudança incluída na nova CLT. A profissional deve receber também o pagamento das diferenças salariais devidas.